BAHIA DE TODOS OS VOTOS: CICLOS POLÍTICOS E O TESTE DO LULISMO BAIANO NA CORRIDA ELEITORAL DE 2026
- NEPOL UFJF

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Cláudio André de Souza¹
A Bahia está enredada em três ciclos políticos que guardam uma simetria temporal, de duas décadas cada, e padrão semelhante de competição política no estado. O primeiro deles foi encerrado em 1986 quando Waldir Pires (MDB) derrotou nas urnas o candidato carlista Josaphat Marinho (PFL), elegendo-se governador da Bahia em um movimento amplo de convergência das oposições e da força do MDB em nível nacional. Já em 2006, ocorreu o fim de um amplo e hegemônico ciclo do carlismo, liderado pelo senador Antônio Carlos Magalhães (ACM), com a derrota do governador e candidato à reeleição Paulo Souto (PFL) e a vitória surpreendente de Jaques Wagner (PT) na esteira da expansão do lulismo. Por fim, em 2026, após vinte anos e cinco governos petistas eleitos consecutivamente, o ciclo político baiano atual, iniciado ainda no primeiro mandato de Lula, será novamente testado.
O nosso argumento principal é que a Bahia se tornou o coração do lulismo e o espelho mais nítido das transformações políticas do Brasil nas últimas duas décadas. Desde 2006, o estado vive sob a hegemonia de um projeto que se construiu em três dimensões que envolvem: a presença constante do estado através de políticas públicas voltadas para a inclusão, a ampliação de políticas redistributivas e a fusão entre o carisma de Lula e a institucionalidade do PT no âmbito da representação política.
O lulismo baiano, conforme defendido em publicação recente (Souza, 2025), não é apenas a vitória reiterada de um grupo político. Refere-se à construção de uma espécie de “engenharia social e territorial” de poder que combinou governabilidade, políticas públicas e pertencimento simbólico. Esse arranjo consolidou um processo de representação política ancorado em uma liderança nacional, que se tornou o principal cabo eleitoral nas disputas locais pelo governo baiano.
O que isso quer dizer? Entendemos que o lulismo baiano nasceu como um espelhamento local do fenômeno nacional ao herdar a força popular do sindicalismo petista e criar um novo tipo de coalizão. Em 2006, a coligação de Jaques Wagner, foi composta por PT, PMDB, PSB, PTB, PPS, PCdoB, PRB, PV e PMN. Já em 2010, o petista teve apoio de seu partido, além de PP, PSB, PDT, PCdoB, PRB, PHS e PSL. Essas alianças partidárias, ampliadas com a adesão de parte da força política carlista, foram reorganizadas a partir de aspectos locais e da força do governo federal, liderado pelo presidente Lula em seu segundo mandato presidencial (2007-2010).
Esses fatores ajudam a explicar a longevidade do ciclo político atual. Trata-se de uma aliança duradoura entre o do PT e forças de centro e da direita que atravessaram três governos estaduais — Jaques Wagner, Rui Costa e Jerônimo Rodrigues — mantendo o eixo da combinação governativa em torno de políticas públicas apoiadas pelo governo federal. Esse equilíbrio coalizacional de partidos, que não existia até então, contrasta fortemente com o centralismo autoritário de ACM, que conduziu com mão de ferro, por décadas, os rumos do estado e da sociedade baiana.
A consolidação do lulismo e os desafios da governança petista
Em 2002, a disputa eleitoral na Bahia marcou o início de uma inflexão política. O então ministro do governo Lula, Jaques Wagner (PT), surgiu como o principal opositor do grupo carlista. Naquele momento, o PT alcançou, pela primeira vez, uma votação expressiva para o governo estadual — 38,47% dos votos —, sinalizando o esgotamento do carlismo e a ascensão do lulismo no estado.
Em tese, a ação política do governo Lula na Bahia projetou um cenário mais favorável para os petistas baianos, o que, de fato, se confirmou nas eleições seguintes de 2006. Conforme se observa no Gráfico 1, há uma relação direta entre o crescimento do número de votos do PT para os cargos de presidente e governador.
Nota-se que a estabilização do desempenho presidencial esteve acompanhada, a partir de então, de uma tendência semelhante nas disputas pelo governo baiano. Os dados e as pesquisas confirmam que a Bahia se consolidou como base estrutural do lulismo nos níveis nacional e local de forma combinada, isto é, a quantidade significativa de votos ao PT na disputa presidencial ajudou a impulsionar o desempenho eleitoral para governador a partir de 2006.
Gráfico 1 - Desempenho eleitoral (%) do Partido dos Trabalhadores (PT) para governador e presidente, 1º Turno, Bahia, 1998-2022.

A força de Lula como liderança, no âmbito da representação política, favoreceu uma escolha que alinhava as esferas local e nacional. Argumentamos que o lulismo baiano tem como elemento central a mobilização de políticas inclusivas pautadas na distribuição de renda e na defesa dos mais pobres — sobretudo na representação de interesses ligados ao interior do estado e na combinação entre o rural e o urbano nas formas de sociabilidade e geração de oportunidades econômicas.
O conjunto de políticas públicas de grande impacto social e político implementadas pelo governo federal — incluindo Bolsa Família, Luz Para Todos, Prouni, Água Para Todos etc. — força motriz do que podemos chamar de “políticas lulistas”, acabou por produzir um nível mais amplo de confluência entre os diferentes níveis de governo.
Esse processo deu origem a novas lideranças, politicamente ascendentes, mas alicerçadas nas regras democráticas e de compartilhamento de poder que caracterizam o período pós-carlista. Assim como ocorreu em nível nacional, o lulismo baiano estruturou-se a partir de uma coalizão ampla, replicando a dinâmica do cenário nacional, porém com autonomia estratégica para sustentar a estabilidade política construída nas últimas duas décadas por meio de cinco vitórias eleitorais consecutivas na disputa pelo governo baiano.
Há, além disso, outro fenômeno a ser observado: o PT segue renovando seus quadros na Bahia. A vitória de Jerônimo Rodrigues representou a eleição de um político sem uma trajetória consolidada nas urnas. Em 2022, ACM Neto já acumulava vinte anos ininterruptos de disputas eleitorais (conquistou três mandatos como deputado federal e dois como prefeito), com uma carreira meteórica e papel consolidado como o principal herdeiro do grupo carlista na Bahia. Jerônimo, ao contrário, foi o teste e a comprovação da tese de um tipo de hegemonia petista, já que é uma liderança ancorada em um fenômeno complexo de alinhamento eleitoral entre as esferas estadual e nacional.
Embora os desgastes sejam inevitáveis, o PT tem conseguido renovar o fôlego e formar novas lideranças. Um aspecto que merece destaque — e que já havia sido mencionado — é que a lógica coalizacional dos petistas baianos implica radicalizar o equilíbrio político-partidário, comportamento oposto ao que fez o carlismo, ao conduzir uma estratégia centrada na figura de um “chefe” e “dono” de uma dúzia de partidos como se fossem seus. Esse claro traço autoritário levou algumas lideranças carlistas, inclusive, a migrar para grupos pós-carlistas que aderiram à aliança com o PT e Lula na Bahia.
Há também uma outra questão relevante a ser refletida. Os principais desgastes deste modelo de governo petista na Bahia situam-se no campo da governança do estado, ponto que requer atenção de qualquer grupo político no poder. Períodos prolongados de hegemonia exigem constante capacidade de renovação e construção de novas políticas públicas, capazes de responder às mudanças de cada tempo. As polícias, o Planserv (plano de saúde dos servidores estaduais) e os modelos de políticas nas áreas de educação e saúde são de grande importância para os baianos e cobram do governo sistematicamente força e coragem para se adaptar às novas demandas.
Disputas locais e projeções para 2026
Em 2022, a eleição “improvável” do governador Jerônimo Rodrigues (PT) contrariou boa parte das pesquisas eleitorais em meio a um embate fortemente polarizado com o ex-prefeito de Salvador ACM Neto (União Brasil), conforme pode ser observado na Tabela 1. A manutenção da sólida aliança entre o PT e o PSD, liderado pelo senador Otto Alencar, foi decisiva nessas eleições — assim como o retorno de Lula como candidato a presidente, somado à força dos prefeitos como lideranças locais relevantes na corrida pelo voto. A força do PSD e de outros partidos da base conferiu capilaridade e faz do lulismo baiano parte importante de um sistema de poder complexo e resiliente. A rigor, no interior do estado, PT e PSD funcionam como partidos complementares.
Tabela 1 - Pesquisas eleitorais realizadas no estado da Bahia (jul/2022 - out/2022)

De maneira geral, a Bahia tem apresentado um padrão de representação política nas últimas décadas que podemos chamar de “lulismo baiano” — isto é, um fenômeno que decorre do alinhamento e da liderança da figura do presidente Lula com o nível estadual, como parte de uma dinâmica “casada” com a esfera federal.
Novamente, o cenário nacional tende a ser um grande protagonista nas eleições de 2026. A pesquisa Quaest, divulgada em agosto deste ano, indica que Lula tem 60% de aprovação na Bahia, enquanto o governador Jerônimo Rodrigues registra 59%. Neste momento, o desafio de ampliar a popularidade de Lula na Bahia pode influenciar decisivamente a capacidade do governador Jerônimo de desfrutar de um cenário mais positivo de avaliação durante a corrida eleitoral. Ainda segundo a pesquisa, 40% dos eleitores preferem eleger um governador aliado de Lula, 9% optam por um aliado de Bolsonaro e outros 49% afirmam que sua preferência deve ser por um governador mais independente do próximo presidente.
Diante disso, é provável que Lula transforme a Bahia em uma base eleitoral estratégica para a sua reeleição, o que tende a fortalecer o governador petista para a próxima disputa eleitoral. O levantamento da Quaest, cujos dados estão disponíveis no Gráfico 2, também mostrou que ACM Neto (União Brasil) possui 41% das intenções de voto contra 34% de Jerônimo Rodrigues. É uma diferença importante, mas não definitiva, sendo que a vantagem de Neto se concentra nas grandes cidades, enquanto Jerônimo mantém certa folga no interior. O lulismo, mais uma vez, dependerá de uma distribuição geográfica mais difusa, em termos de apoio e votos, para se manter hegemônico entre os baianos.
Gráfico 2 - Intenção de votos na disputa pelo governo da Bahia em 2026 (ago/2025)

Em seguida, no Gráfico 3, é possível observar que a Bahia tem batido recordes no que diz respeito às transferências de recursos da União para o estado nos últimos anos. Esse fluxo evidencia um grande desafio no sentido de garantir a boa aplicação dos recursos e sua efetiva conversão em políticas públicas.
Gráfico 3 - Valores transferidos da União para o estado da Bahia (R$ bilhões)

É importante ressaltar que a Bahia viverá uma eleição em que a oposição tende a cobrar, no debate público, um balanço do desempenho do governo petista em várias áreas ao longo do seu ciclo de 20 anos no poder. Nesse contexto, temas como economia, educação, saúde e segurança pública devem ganhar centralidade, especialmente diante das desigualdades regionais e do baixo dinamismo econômico em algumas partes do estado. São áreas que retêm grande parte dos gastos das famílias baianas e que demandam uma presença mais efetiva do estado na vida cotidiana da população.
Outra frente estratégica do governo Jerônimo está localizada nas ações de infraestrutura, saúde e mobilidade para as 30 maiores cidades baianas. Essa aposta busca ampliar a popularidade e melhorar a percepção da gestão pública. Trata-se de um desafio substantivo jogando na “casa do adversário” , já que ACM Neto e seu grupo tradicionalmente apresentam melhor desempenho eleitoral nas maiores cidades do estado.
Também observamos que o governo estadual tem apostado em entregas visíveis e em políticas integradas. A requalificação do transporte metropolitano, os corredores de mobilidade, as novas escolas de tempo integral e as unidades de saúde de grande porte compõem uma vitrine de realizações ancorada discursivamente na parceria entre os governos Lula e Jerônimo.
Entretanto, a última pesquisa divulgada pela Quaest sobre a avaliação do governo baiano na prestação de serviços públicos, revelou um viés negativo em algumas áreas. Os resultados, disponíveis no Gráfico 4, apontam uma aprovação média/baixa em Saúde (39%), Transporte (35%) e Segurança (45%). Essas áreas tendem a ser mais exploradas pela oposição no contexto de pré-campanha e campanha que antecedem a disputa pelo governo baiano.
Gráfico 4 - Avaliação das áreas de atuação do governo da Bahia

Vale ressaltar que a escalada da violência nas cidades baianas está associada à presença crescente do crime organizado e de facções, o que demonstra a dificuldade do poder público em consolidar políticas preventivas consistentes, e da população, no sentido de perceber a sua eficácia.
Nota-se um modelo de policiamento ainda herdeiro de práticas autoritárias, que reforça o racismo estrutural e se expressa através do alto número de mortes decorrentes de intervenções policiais. Soma-se a isso a ausência de mecanismos eficientes de controle da atividade policial — um dos principais gargalos para a construção de um novo paradigma de segurança pública.
Embora o governo de Jerônimo tenha buscado investir mais em equipamentos, tecnologia e expansão das forças de segurança, ainda faltam políticas voltadas à prevenção da violência, à valorização da cultura de paz, ao fortalecimento dos territórios e à articulação com as áreas de educação, juventude e cultura.
Para onde caminhará o eleitorado baiano nas próximas eleições?
A pesquisa da Quaest (ago/2025) mostra que Lula mantém 60% de aprovação na Bahia — o maior índice entre todas as unidades da federação. Já o levantamento da Paraná Pesquisas (jul/2025) registrou 49,3% de aprovação e 47,3% de desaprovação, evidenciando a estabilidade e a fidelidade da base eleitoral lulista no estado. Ainda segundo a Quaest, 44% dos eleitores baianos têm uma inclinação ideológica à esquerda. Esse dado, disponível no Gráfico 5, reforça a solidez e a continuidade política do fenômeno lulista analisado ao longo deste trabalho, cuja sustentação se dá por meio de uma base política e simbólica que permanece resiliente, mesmo após duas décadas de hegemonia.
Gráfico 5 - Identificação ideológica do eleitorado em diferentes estados (ago/2025)

Este cenário reitera o potencial do lulismo baiano, assim como a sua estrutura e capilaridade. Reflete um tipo de poder complexo e resiliente ligado à estabilidade da coalizão entre o PT e o PSD nas últimas eleições.
Tudo indica que a eleição de 2026 será definida por três fatores:
A capacidade de entrega de obras e políticas públicas até meados de 2026, com potencial de reverter os desgastes em áreas como saúde, educação e segurança pública;
A estratégia governativa entre Lula e Jerônimo, especialmente na comunicação pública e na mobilização das bases nos municípios, o que envolve a força dos prefeitos como lideranças locais;
O reposicionamento da direita local, através da aliança entre União Brasil, PL e Republicanos, que buscará disputar o eleitor de centro sem se associar de forma direta ao bolsonarismo.
A Bahia no centro do lulismo
O coração político do lulismo no Nordeste e o principal escudo da candidatura de Lula à reeleição em 2026 é a Bahia. O estado sintetiza a transição de um poder oligárquico para uma hegemonia popular-institucional: onde o carlismo se desorganizou e ficou ancorado na figura de ACM Neto, o lulismo se converteu em estrutura capaz de desbancar todo o capital simbólico construído pelo PFL (depois DEM e hoje União Brasil).
Reiteramos que a Bahia, nas últimas décadas, deixou de ser o reduto dos coronéis e se transformou em um território mais estável na política democrática brasileira. As eleições de 2026 indicarão se esse ciclo atingirá o seu auge ou se dará início a um processo de transição e declínio.
Por ora, os sinais são claros, isto é, a máquina territorial do lulismo continua fortalecida, o governo entrega resultados que impactam o eleitorado e a confiança dos baianos em dias melhores se mantém elevada. Apesar das transformações inerentes a cada ciclo, a Bahia reafirma sua condição de centro gravitacional da política brasileira e sinaliza que terá impacto nas eleições presidenciais de 2026.
¹ Professor Adjunto de Ciência Política da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), Campus dos Malês (São Francisco do Conde/BA) e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). E-mail: claudioandre@unilab.edu.br.

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