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Proposições da Câmara Municipal de Juiz de Fora durante a pandemia

NEPOL UFJF

Rafael Maciel Artuzo 1


O combate à pandemia de Covid-19 no Brasil tem se caracterizado pela descentralização descoordenada das medidas de enfrentamento adotadas nos diferentes níveis de governo. Com efeito, a autonomia para elaborar normas de distanciamento social, assegurada aos estados e municípios pelo Supremo Tribunal Federal (STF)2, não foi acompanhada de um esforço de coordenação do governo central no sentido de prover parâmetros para a ação dos governos subanacionais. Como mostram as notas técnicas da Diretoria de Estudos de Relações Econômicas e Políticas Internacionais do Ipea3 e esta série de artigos do Nepol, prefeituras têm agido muitas vezes de forma isolada, adotando medidas legais que, não raramente, vão de encontro àquelas dos respectivos estados e das cidades circunvizinhas.


Chama a atenção, nesse contexto, o uso dos decretos como principal instrumento de combate à pandemia, colocando em primeiro plano as ações elaboradas no âmbito do Poder Executivo e ampliando sua atividade normativa. Mas, diante desse quadro, como têm se comportado os legisladores municipais? Os estudos sobre o processo legislativo municipal sublinham as limitações impostas aos vereadores para que exerçam sua função precípua de legislar, assim como a dominância do Executivo sobre a agenda legislativa e as normas de maior impacto em nível local, devido, entre outras razões, ao incremento do rol de iniciativas privativas do prefeito no processo legislativo.4 Assim, no intuito de analisar a atuação parlamentar, alguns estudos sugerem uma mudança de foco da produção de leis para a elaboração de proposições não normativas, como indicações, requerimentos e moções.5


Partindo desse entendimento, propõe-se aqui um olhar mais detalhado sobre as proposições apresentadas na Câmara Municipal de Juiz de Fora relacionadas à crise trazida pelo novo coronavírus. Justifica essa investigação, ademais, o fato de que, entre o 3º e o 6º períodos legislativos (16/03/2020 a 09/07/2020), foram apresentados pelos edis juiz-foranos 29 projetos de lei com essa temática, enquanto 174 proposições (entre requerimentos, pedidos de informação e representações) foram aprovadas sobre o mesmo assunto.6


No Legislativo de Juiz de Fora, os requerimentos são destinados, sobretudo, à solicitação de providências e informações à administração pública7, os quais são feitos por escrito e submetidos a votação em Plenário, com quórum de maioria simples para a sua aprovação. No período citado, 141 foram aprovados, tendo sido agrupados, para esta análise, em sete categorias: (I) medidas preventivas de enfrentamento à Covid-19, isto é, sugestões de medidas que auxiliem diretamente no combate ao coronavírus, seja para aquisição de EPIs, higienização de ambientes, campanhas de conscientização, testagem etc.; (II) medidas de caráter econômico, como a prorrogação do pagamento de tributos, suspensão do corte de serviços de água, limitação de venda de álcool em gel, auxílio emergencial a determinadas classes profissionais; (III) medidas administrativas, ou seja, sugestões de medidas que ajudem na organização do poder público para enfrentar a pandemia, como antecipação de férias, prorrogação de prazos administrativos, permanência em programas estaduais etc.; (IV) medidas de assistência social que correspondem a sugestões de medidas que ofereçam auxílio a pessoas em situação de vulnerabilidade, como distribuição de merenda escolar durante a suspensão das aulas e ajuda às pessoas em situação de rua; (V) medidas de fiscalização, como indicações para a atuação do Procon em determinadas matérias, para a averiguação da implementação das restrições previstas nos decretos municipais ou para convocar ou convidar membros da administração e da sociedade civil para esclarecimentos; (VI) medidas de distanciamento social propondo a suspensão de atividades, em complemento às restrições estabelecidas nos decretos do Executivo; e (VII) medidas propondo a retomada de atividades, em oposição a restrições estabelecidas nos decretos. Cumpre salientar que estas duas últimas categorias, conquanto possam se enquadrar em outras, foram destacadas em razão de sua relevância no debate atual. O gráfico a seguir contabiliza os 141 requerimentos segundo os tipos de medidas descritas e os dispõe ao longo dos períodos legislativos em que foram aprovados.


Gráfico I: Requerimento apresentados pelos vereadores de Juiz de Fora em resposta à pandemia de COVID-19 (16 de março a 09 de julho)


Fonte: Elaboração própria, com base em dados obtidos na página oficial da Câmara Municipal de Juiz de Fora.


Como se nota, as sugestões de medidas preventivas e de fiscalização tiveram preponderância sobre as demais, representando 58% do total. Houve, todavia, variação em sua distribuição ao longo tempo, já que no 3º período legislativo (de 16/03 a 09/04), sobressaíram-se medidas preventivas, econômicas e de assistência social, enquanto a partir do 4º período (13/04 a 28/04), ganharam destaque as medidas fiscalizatórias. De fato, coincidem com esse período o aumento nos casos de descumprimento dos decretos8 e as primeiras notícias de corrupção envolvendo contratos emergenciais, inclusive em Juiz de Fora9, o que pode ter incentivado uma atuação dessa natureza. Além disso, entre as medidas de fiscalização, a maior parte (25) consistiu em pedidos de convocação/convite de autoridades para prestarem esclarecimentos, sugerindo um deslocamento da atuação dos vereadores ao longo da crise, passando de uma postura propositiva, em convergência com os decretos, a uma postura mais fiscalizadora e cautelosa em relação aos atos do Executivo.


Os pedidos para a retomada de atividades representaram 11% do total e tiveram mais destaque durante o 5º período (de 18/05 a 29/05), quando o município iniciava sua adesão ao programa estadual “Minas Consciente” e os índices de isolamento social na cidade já apresentavam queda acentuada.10 Entre as atividades objeto destes pedidos houve uma pequena prevalência dos cultos religiosos, bancas de jornal, autoescolas e lojas de tecido, cada qual com dois pedidos. Por outro lado, apenas um pedido para a suspensão de atividades foi feito, logo no início da pandemia na cidade, no dia 17/03/2020, solicitando a interrupção das aulas no município.


Entre as medidas de cunho econômico, evidenciaram-se as sugestões para prorrogação da cobrança de tributos e para a manutenção dos serviços de água (adiamento de reajuste e suspensão do corte aos usuários inadimplentes), que somaram 14 dos 22 pedidos. Essas solicitações diminuíram durante o 5º período legislativo, o que pode ser explicado pela aprovação da Lei Municipal nº 14.030, de 30 de abril de 2020, de autoria do Executivo, que efetivou algumas delas ao prorrogar o pagamento de IPTU, ISSQN e outros tributos com vencimento em abril, maio e junho.


As medidas de assistência social consistiram basicamente em pedidos de auxílio à população em situação de rua e de distribuição de merenda durante a suspensão das aulas, tendo prevalecido também durante o 3º período. Destaque-se que esta última foi materializada, por iniciativa do Executivo, por meio do Decreto Municipal nº 13.938, de 30 de abril de 2020, que instituiu um vale-alimentação no valor de R$50,00 a cerca de 12.500 alunos da rede municipal inscritos no CadÚnico.


As medidas administrativas, por sua vez, mostraram-se bastante variadas, com pedidos de antecipação de férias escolares, prorrogação do recadastramento previdenciário dos servidores e pela saída do município do programa Minas Consciente.


Um ponto a ser considerado diz respeito à autoria dos requerimentos. Embora haja aprovação em plenário por maioria simples, essas proposições continuam fortemente atreladas a seus autores, de modo que devem ser encaradas mais como a manifestação individual de cada parlamentar do que como posicionamento geral da Casa. Ainda assim, pode-se dar mais força coletiva a um requerimento por meio de autorias conjuntas. Além disso, há que se considerar que seu uso é feito de maneira desproporcional entre os parlamentares. Cogita-se, por exemplo, que aqueles mais próximos ao Executivo tendam a utilizá-los menos, uma vez que conseguem fazer suas solicitações de maneira direta, sem passar pela burocracia da apresentação de uma proposição. De qualquer forma, a apresentação ou não de requerimentos varia de acordo com as decisões estratégicas de cada membro do Legislativo. O gráfico a seguir contabiliza os requerimentos aqui analisados segundo sua autoria.


Gráfico 2: Autoria dos requerimentos apresentados pelos vereadores de Juiz de Fora em resposta à pandemia de COVID-19 (16 de março a 09 de julho)



Fonte: Elaboração própria, com base em dados obtidos na página oficial da Câmara Municipal de Juiz de Fora.


Ao todo, 16 dos 19 vereadores utilizaram esse expediente de forma individual a fim de propor medidas relativas à pandemia de Covid-19. Um único vereador (Júlio Obama Jr. – Podemos), no entanto, foi responsável por 28% dos requerimentos apresentados. Parte significativa (18%) também foi elaborada por meio de coautorias, sendo que 15 das 25 proposições conjuntas indicaram medidas fiscalizatórias, sobretudo de convocação/convite de integrantes do Poder Executivo. Pode-se inferir disso que os vereadores buscaram dar feição coletiva a propostas que implicassem tensionamento com o outro poder. Por outro lado, não houve coautoria em sugestões que visavam à retomada de atividades, indicando a atuação isolada dos parlamentares nesse sentido.

Além de requerimentos, foram aprovados 12 pedidos de informação, dirigidos ao Executivo municipal. De maneira diversa dos primeiros, que também se prestam a colher informações, estas proposições geralmente apresentam maior grau de detalhamento nas solicitações e possuem natureza marcadamente fiscalizatória. Não por acaso, parecem ter acompanhado o movimento dos vereadores por mais demandas de fiscalização ao longo da pandemia, uma vez que 11 pedidos foram feitos nos períodos 5º e 6º, precisamente do dia 18/05 ao dia 06/07, após o município ter aderido ao programa Minas Consciente (16/05), política do governo estadual que estabelece uma estratégia para a saída da quarentena.


Houve predominância de pedidos de informação relacionados à saúde, seis no total, solicitando informações sobre a quantidade de leitos de UTI e enfermaria disponíveis na cidade, de testes realizados, de médicos contratados, sobre protocolos de atendimento, uso de hidroxicloroquina, entre outros. Além dessas, foram feitas indagações sobre ações: de assistência social, seja a respeito do vale-alimentação escolar já mencionado ou acerca das políticas em relação à população de rua; de transporte, questionando o funcionamento dos coletivos urbanos; de educação, sobre a prorrogação do contrato de professores; e orçamentárias, a respeito dos gastos emergenciais.


Por fim, a observação das representações é importante para se ter ideia do tipo de ação que os vereadores cobraram das outras esferas de governo, já que essas são proposições destinadas a autoridades federais, estaduais, autárquicas e não subordinadas ao Poder Executivo municipal.11 No período analisado, foram aprovadas 21, sendo 11 para autoridades em nível estadual, das quais 9 tiveram como destinatário o Governador de Minas Gerais, Romeu Zema. Entre essas, se destacaram as que continham pedidos para a manutenção dos serviços da Cemig (3), com o adiamento de reajustes e suspensão do corte aos usuários inadimplentes, e para a retomada de atividades no programa Minas Consciente (celebrações religiosas, bancas de jornal e salões de beleza). Direcionadas ao nível federal foram cinco representações, para diferentes autoridades e variados temas. Ao Presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, foi solicitada a utilização da verba do fundo eleitoral no combate ao coronavírus; ao Ministro Paulo Guedes, a isenção das tarifas de DOC e TED durante a pandemia; e ao Ministro Abraham Weintraub, a alteração da data limite para isenção da inscrição no Enem. Ao setor privado, foram destinadas quatro representações, das quais duas à Ambev e ao Boticário, pedindo doações de álcool em gel; uma às operadoras de telefonia, requerendo a prorrogação do vencimento de boletos; e uma à rede cartorária, cobrando informações sobre o número de óbitos na cidade. Ainda que estas ações tenham pouca efetividade prática, elas devem ser consideradas pela intenção de seus autores em marcar posição em relação a temas, decisões e políticas públicas.


As proposições, portanto, vêm sendo bastante empregadas pelos vereadores juiz-foranos durante a pandemia, sobretudo para a sugestão de ações à administração e para a fiscalização das medidas já adotadas pelo Poder Executivo. Uma análise mais aprofundada poderia perquirir o peso de sua influência nas decisões da prefeitura, já que muitas propostas foram de fato efetivadas, bem como investigar o posicionamento dos parlamentares segundo a clivagem situação/oposição, a fim de avaliar a relação entre os poderes locais em meio à crise atual.


 

1 Aluno do mestrado em Ciências Socias da UFJF e Redator/Revisor na Câmara Municipal de Juiz de Fora.


2 Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6341/DF. Relator: Min. Marco Aurélio. Referendada pelo Tribunal Pleno em 15/04/2020. Disponível em: <<http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5880765>&gt;.


4CAETANO, B. Executivo e Legislativo na esfera local. Novos Estudos Cebrap, n. 71, p. 101-125, mar. 2005.


5 D’ÁVILA FILHO, Paulo M.; JORGE, Vladimyr Lombardo; e LIMA, Paulo César G. de Cerqueira. Comportamento político e produção legislativa: padrões de emissão de “indicações” pelos vereadores cariocas. E SILVA, Bruno Souza da. Produção legislativa e relações Executivo-Legislativo no nível local: uma análise das indicações e dos requerimentos na Câmara Municipal de Araraquara-SP. In: ROCHA, Marta Mendes da; KERBAUY, Maria Teresa Miceli (Org.). Eleições, partidos e representação política nos municípios brasileiros. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2014.


6 A lista com todas as proposições analisadas pode ser requerida ao autor pelo email macielartuzo@hotmail.com.


7 Art. 174, I, “d” e “e”, do Regimento Interno da Câmara Municipal de Juiz de Fora.





11 Art. 175 do Regimento Interno da CMJF.




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