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Os impactos da Covid-19 em Uberlândia e Uberaba - MG¹

Gustavo Cezar Ribeiro²

Instituto Federal do Triângulo Mineiro


Os municípios de Uberlândia e Uberaba são os maiores da região do Triângulo Mineiro. Dentro do estado de Minas Gerais, Uberlândia possui a segunda maior população, atrás apenas da capital, Belo Horizonte, com estimativa populacional de 691.305 habitantes em 2019. A cidade de Uberaba, a segunda maior da região do Triângulo, possui estimativa populacional de 333.783 pessoas. As duas gestões da prefeitura se destacam por possuir um caráter aparentemente mais técnico, de ideologia pouco pronunciada, sendo seus chefes associados a partidos tradicionais da política brasileira. Em Uberlândia, o prefeito Odelmo (PP), de longa trajetória política ligada à cidade, cumpre seu terceiro mandato no cargo; em Uberaba, Paulo Piau (MDB) também é um político experiente e encontra-se em seu segundo mandato consecutivo a frente da prefeitura.  Os municípios possuem bons Índices de Desenvolvimento Humano em se comparando com o restante do Brasil ou do estado, sendo o de Uberlândia 0.789 e o de Uberaba 0.772. São municípios próximos, distando entre si 107 km, com respostas governamentais distintas para o controle das consequências da pandemia de Covid-19.


Uberlândia respondeu com boa antecipação à chegada do vírus SARS-Cov-2 no Brasil. Antes mesmo da confirmação de transmissão comunitária no país ou até de qualquer caso confirmado na cidade, um decreto de 27 de fevereiro instituiu o Comitê Municipal de Enfrentamento à Covid-19; ato análogo da Prefeitura de Uberaba foi tomado apenas algum tempo depois, em 16 de março. A partir destas datas, observaremos que, em Uberlândia, os decretos referentes às condutas a serem assumidas pela população sobre a pandemia serão assinados pelo próprio comitê responsável, ao passo que, em Uberaba, veremos decretos desta natureza assinados pela prefeitura. Ainda que estes decretos da prefeitura de Uberaba possam ser informados pelo comitê recém-criado, não há uma vinculação direta deste às deliberações sobre o isolamento social implementado na cidade, como podemos observar em Uberlândia.


Nos dias 19 e 20 de março, Uberaba e Uberlândia, respectivamente, entraram em estado de emergência. Neste momento começaram a ser divulgados boletins municipais diários de registros de casos e óbitos suspeitos e confirmados de Covid-19. O primeiro boletim, de Uberaba, 19 de março, exibia os seguintes números: 22 notificações, com 1 caso confirmado de Covid-19. Em Uberlândia, o primeiro boletim, em 21 de março, indicava 188 notificações com 3 confirmações. 


Antes de observarmos a evolução das ocorrências epidemiológicas nos dois municípios, bem como os posicionamentos do poder público, é importante termos um panorama do quantitativo de leitos comuns e de Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) disponíveis em cada um deles, obtendo assim uma referência para a análise da gravidade do ritmo da evolução dos casos da doença nas localidades. Uberaba possui, em dados divulgados há poucos dias pela própria prefeitura, “954 leitos hospitalares totais, dos quais 704 estão conveniados ao SUS. Destes há 74 leitos de Terapia Intensiva (UTI) conveniados ao SUS”. Segundo o documento da prefeitura uberabense, estes números devem ser levados em conta dentro de um contexto de microrregião, cuja população, que tem Uberaba como referência médico-hospitalar, chega a 593.965 pessoas distribuídas nos municípios do entorno. O número de leitos total destoa um pouco dos 900 indicados no portal do Ministério da Saúde para fevereiro deste ano. Também em Uberaba, segundo o portal do Ministério, o número de respiradores/ventiladores seria de 218 aparelhos.


Já em Uberlândia, os números de leitos, leitos de UTI e de respiradores, apesar de maiores em termos absolutos, eram significativamente menores em relação à população. Segundo o Portal do Ministério da Saúde, Uberlândia conta com um total de 1.305 leitos e possui, segundo levantamento do G1, 120 leitos de UTI da rede particular e 80 do SUS – em vias de ampliação, uma vez que a prefeitura está reabilitando leitos do Hospital Santa Catarina, da rede particular, que se encontrava fechado, além de outras iniciativas. O município também conta com 382 respiradores segundo dados atualizados do Ministério para fevereiro. Uma vez que a população uberlandense excede a de Uberaba em quase o dobro, parece que realmente há uma boa vantagem de Uberaba para enfrentar uma crise na saúde pública como a atual. Se compararmos apenas os leitos públicos de UTI, temos números quase iguais – 80 para Uberlândia e 74 para Uberaba – para populações de dimensões bem diferentes. Também se tomarmos a quantidade de respiradores, temos ligeira vantagem relativa para Uberaba, com 218 respiradores.


Esta breve recuperação dos números de equipamentos de saúde nos dois municípios é importante para contextualizarmos e tentarmos compreender os percursos distintos na tentativa de controlar a pandemia. Estes números apontam que, para além das possíveis diferentes compreensões e concepções de saúda pública por parte das administrações, há também uma percepção de que existem condições objetivas para a adoção de uma estratégia. Grosso modo, Uberaba optou por uma via de abertura/afrouxamento do distanciamento social, enquanto Uberlândia aprofundou e detalhou essas medidas ao longo dos dias, ainda que, num primeiro momento, os dois municípios tenham adotado estratégia semelhante. 


O início do distanciamento social se deu nos dois municípios em momentos próximos. Uberlândia, no decreto nº 18.525 de 17 de março, assinado pelo Comitê Municipal de Enfrentamento ao COVID, determinou o fechamento da maioria dos estabelecimentos comerciais, escolas e a adoção de medidas sanitárias adicionais em restaurantes. Uberaba, no dia 20 de março, tomava medida semelhante no Decreto nº 5.372. Estas diretrizes foram mantidas pelos dois municípios até a publicação do Boletim Epidemiológico nº 7, do Ministério da Saúde, em 6 de abril, que dava novas orientações para os municípios que tivessem condições de transitar do Distanciamento Social Ampliado (DSA - que se estava aplicando até então nos casos aqui apresentados) para o Distanciamento Social Seletivo (DSS). Neste mesmo dia o município de Uberaba indicou uma mudança nos rumos do afastamento social, através do Decreto nº 5.443, que tinha por objetivo a reabertura do comércio a partir do dia 13 de abril, ainda que com medidas adicionais de higiene a serem consideradas.  


Esta medida foi motivada pela recomendação do Governo Federal de que os municípios com mais de 50% de leitos ociosos em UTI poderiam iniciar o abrandamento do distanciamento, o que era possivelmente o caso de Uberaba, uma vez que no dia 6 de abril, quando do decreto municipal de suspensão do DSA, acompanhando boletim do Ministério da Saúde, havia ali apenas 13 casos confirmados e nenhum óbito. Para fins de comparação, na mesma data, 6 de abril, Uberlândia tinha 49 casos confirmados e 2 óbitos. A evolução do quadro de casos nos dois municípios, contudo, cresceu um pouco mais em Uberaba, que chegou no dia 13 de abril com 21 confirmações; enquanto Uberlândia possuía 66 confirmações, indicando uma menor propagação de casos. Talvez por esta mesma razão, dado que a partir de 6 de abril Uberaba observou uma aceleração na propagação do vírus, a Justiça Federal tenha expedido decisão que revertia o Decreto nº 5.443 de reabertura de estabelecimentos comerciais não-essenciais.


Apesar da decisão da Justiça que suspendia a decisão da Prefeitura de Uberaba poder ter sido motivada pelo aumento de número de casos, acima de 60% em uma semana, é possível também levarmos em consideração a não-observação estrita do poder público local às condições levadas em conta pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para a retomada da atividade econômica, o que incluiria a testagem massiva de pacientes para a obtenção de dados fidedignos sobre o alastramento do vírus, situação até então distante da realidade brasileira como um todo. A ação civil pública do Ministério Público Federal contra a Prefeitura, acatada em decisão liminar pela Justiça, levava em consideração justamente a carência de testes e as consequências temerárias para a saúde pública municipal caso houvesse ali a progressão da DSA para a DSS. Em nota contrariada, a Prefeitura declarou acatar a decisão, no próprio dia 13 de abril, voltando à validade o decreto de 20 de março, que previa fechamento de comércio até dia 30 de abril. 


Em sentido contrário, ainda que cautelosamente, no dia 15 de abril o Comitê Covid-19 de Uberlândia expediu deliberação para reabertura pontual de segmentos do comércio local (tais como óticas, assistências técnicas, cabeleireiros e lojas de peças de informática). O comitê parece ter sido motivado pela constante redução do número de internados por Covid-19 no município, ainda que o número de casos confirmados possa estar subindo em razão dos resultados de testes que vão sendo divulgados. No município, do dia 6 ao dia 18 de abril, o número de pacientes internados por infecção do novo coronavírus, somando leitos comuns e de UTI, caiu de 64 para 30.


O quadro geral dos dois maiores municípios do Triângulo Mineiro não é dos mais graves em se tratando do ritmo de alastramento da Covid-19 em face da capacidade do serviço de saúde local. Apesar da evolução de casos um pouco pior em Uberaba, temos observado nas duas regiões taxas de internação e mortes controladas, sobretudo se levarmos em consideração que tem havido esforços de ampliação de recursos para o serviço de saúde e controle sanitário. Estes esforços têm sido conduzidos pelo poder público em parceria com o empresariado local e setores da sociedade civil. Os dois municípios organizaram amplas campanhas análogas de enfrentamento à Covid-19 – a “Juntos por Uberlândia” e a “Juntos por Uberaba” – com a finalidade de minimizar o impacto local da pandemia a partir da parceria entre estes diferentes setores. No dia 18 de abril, quando este texto estava sendo finalizado, havia na cidade de Uberaba apenas 6 pacientes internados, entre suspeitos e confirmados, de Covid-19.



Referências

1 Atualizado até 18 de abril de 2020


2 Doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ) (2014) e Doutor em Filosofia pela Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne (2014).




5  https://www.uberlandia.mg.gov.br/coronavirus/decretos-e-documentos/ esta referência será fonte das demais citações de documentos da Prefeitura de Uberlândia.


6 http://www.saudeativauberaba.com.br/portal/conteudo,49175 esta referência será fonte das demais citações de documentos da Prefeitura de Uberaba.








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