top of page

Consórcios Intermunicipais de Saúde: construção institucional e disputa política

Atualizado: há 12 minutos

Camila Miranda Evangelista


Um consórcio intermunicipal de saúde é um instrumento de gestão pública compartilhada que prevê a união de dois ou mais municípios com o propósito de solucionar problemas comuns e racionalizar recursos na área da saúde, principalmente em pequenos municípios. O surgimento dos consórcios intermunicipais de saúde no Brasil ocorreu por iniciativa de atores políticos locais de uma mesma região, após a divisão de responsabilidades entre as esferas de governo prevista pela criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Nas últimas quatro décadas, o modelo se desenvolveu de forma desigual pelas regiões do país, se multiplicando em algumas, enquanto em outras nem chegou a ser explorado. Conforme a tabela 1, a região Norte é a que concentra o menor número de CIS.





Em alguns casos, os estados tiveram relevante papel na indução desse processo, através de incentivos técnicos, financeiros e estruturais. A experiência de consorciamento intermunicipal na área da saúde em Minas Gerais é considerada uma das mais exitosas do Brasil, segundo a literatura especializada. No estado, está localizado o maior número de consórcios do país, sendo que parte considerável deles foi criada na década de 1990 e fomentada pelo governo estadual ao longo dos anos 2000. Entre 1995 e 2021, o número de consórcios intermunicipais de saúde em Minas Gerais passou de 46 para 78. No mesmo período a quantidade de municípios que aderiram ao modelo no estado aumentou de 580 para 835.





A Agência de Cooperação Intermunicipal em Saúde Pé da Serra (ACISPES) é um exemplo de consórcio bem sucedido em Minas Gerais. Apesar de não ter a palavra “consórcio” em seu nome, a ACISPES configura um Consórcio Intermunicipal de Saúde (CIS), modelo de gestão compartilhada na qual os municípios dividem os custos para a oferta de atendimentos especializados, como consultas, exames e cirurgias de média complexidade ambulatorial para suas populações. O consórcio foi fundado em 1996 e se desenvolveu institucionalmente a partir de 2008, a partir da inauguração de sua sede própria em Juiz de Fora (MG).


A pesquisa de mestrado O papel da indução governamental nos Consórcios Intermunicipais de Saúde: um estudo de caso da Acispes (1996/2021)”, teve como objetivo investigar a dimensão política da construção institucional da ACISPES no que diz respeito ao papel que diferentes atores e instituições desempenharam no processo e às dinâmicas cooperativas e conflituosas que o caracterizaram. A investigação revelou o papel central que um grupo político vinculado ao PSDB desempenhou no desenvolvimento e consolidação do consórcio nos anos 2000, com destaque para os investimentos do governo estadual na forma de infraestrutura, recursos financeiros e programas. Na pesquisa argumentei que a indução do governo estadual fortaleceu o consórcio e contribuiu para seu êxito; por outro lado, os investimentos fizeram do consórcio um ativo eleitoral importante, objeto de disputa entre atores políticos do estado que desejavam ampliar sua participação em decisões sobre nomeação e fluxos de atendimento. Isso explica porque uma dinâmica em princípio cooperativa passou a se caracterizar por disputas e conflitos internos.


Argumentei que o alto grau de discricionariedade dos procedimentos relativos à definição dos fluxos de atendimento, assim como a fragilidade dos mecanismos de controle e fiscalização, contribuíram para tornar a ACISPES e seus eleitoralmente valiosos serviços de saúde objeto de disputas acirradas. A introdução de elementos de conflituosidade ao longo do período estudado provocou mudanças significativas na dinâmica de funcionamento do consórcio. 


A pesquisa consistiu em um estudo de caso e foi realizada com a aplicação de técnicas de entrevista em profundidade com roteiro semiestruturado junto a onze personagens chave na construção institucional do consórcio. Além disso, envolveu análise de documentos importantes como as leis de doação de terreno para a construção da sede, os contratos de adesão de municípios ao consórcio, os editais de contratação do consórcio para prestação de serviços para o estado, resoluções, estatutos, regimentos, atas, decretos, portarias e notícias divulgadas na imprensa. Com esta investigação busquei contribuir para os estudos sobre o papel dos municípios na provisão de políticas públicas e para o debate em torno da organização regional da saúde.



 

Camila Miranda Evangelista é jornalista, mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e doutoranda em Ciências Sociais na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). A pesquisa foi  desenvolvida no PPGCSO/UFJF, sob orientação da Profa. Marta Mendes da Rocha e contou com apoio da FAPEMIG.


Redes sociais: miranda.camila



Comments


Logomarca do NEPOL

Campus da Universidade Federal de Juiz de Fora
Rua José Lourenço Kelmer, S/Nº – São Pedro
Juiz de Fora – MG, 36036-900, Brasil

Mapa do site

Atendimento

+55 (32) 2102-3101
contato@nepol.blog.br

  • Instagram
  • Youtube
bottom of page