Carlos Augusto Mello Machado
A discussão sobre eleições municipais deve considerar a diversidade dada pelo tamanho do eleitorado. A maior parcela das populações nas metrópoles acessa informações sobre as campanhas intermediada pelos meios de comunicação. O mesmo não ocorre em municípios de pequeno porte, nos quais a elite política se apresenta em contato cara-a-cara mais frequente com a população. Essa variação de escala também afeta a maneira como as regras eleitorais impactam a disputa. Uma das novidades das eleições de 2020 será a restrição de autofinanciamento de campanhas a 10% do teto de gastos eleitorais em cada circunscrição. Nas eleições da maior cidade brasileira isso significa algumas dezenas de milhões de reais, não sendo de fato um constrangimento para candidaturas de milionários. No entanto, em eleições de menor porte estes limites podem chegar a menos de dez mil reais. Essa mudança pode estimular um aumento exponencial da prática de caixa 2, em particular nos municípios de menor porte. Isso nos leva a um contexto no qual várias candidaturas podem não se constranger mais em receber doações não declaradas de fontes ilegais e em utilizar esses recursos em práticas ilegais, porém percebidas com potencial para obter mais votos, tal como os disparos de mensagens utilizando listas compradas de terceiros.
Para além desses aspecto é importante considerar uma esperança latente para essas eleições quanto à ampliação da inclusão política, em especial no caso de mulheres e da população não branca. A reserva de 30% do fundo eleitoral para campanhas femininas, somada à reserva dos mesmos recursos à proporção de candidaturas de pretos e pardos, traz uma imensa expectativa quanto à redução do impacto das desigualdades sociais na definição da representação política.
De fato, as eleições de 2018 prenunciam isso, pois o aumento do financiamento feminino produziu, pela primeira vez, avanços significativos na representação de mulheres na Câmara dos Deputados, saltando do patamar de 10% para 15%. Cabe notar, porém, que esse crescimento ocorreu a despeito de ganhos para mulheres pretas e pardas. A decisão do TSE e do STF lança novas esperança quanto ao enfrentamento dessas desigualdades.
Porém, duas questões devem ser problematizadas em relação a isso. Segundo esclarecimento do ministro Ricardo Lewandowski1, a distribuição dos recursos públicos deve ser atendida pelos partidos políticos nacionalmente, considerando todas as candidaturas. Existe uma variação demográfica importante quanto à distribuição racial da população brasileira, a qual também é seguida pela distribuição de candidaturas. Candidaturas não brancas são mais abundantes nas regiões Norte e Nordeste e são mais raras nas regiões Sul. Considerando as eleições de 2016, estados ao norte do país apresentam maior quantidade de eleitos/as não brancos/as. Partidos podem reduzir o efeito alardeado pelo judiciário, quanto ao combate às desigualdades raciais, ao alocar uma parcela maior dos recursos em candidaturas não-brancas em cenários em que estas teriam maior propensão a serem eleitas, reduzindo o efeito de indução de novas candidaturas negras. Ao mesmo tempo, existe uma evidente desigualdade, novamente em função do tamanho do município. A desigualdade racial entre candidaturas é mais intensa nos municípios de maior porte, onde observa-se menor quantidade de não brancos/as eleitos/as.
Por fim, é importante pensar no efeito da pandemia sobre novas lideranças políticas e lideranças comunitárias. Em vária cidades o enfrentamento imediato e inicial aos efeitos da Covid-19 coube a lideranças locais. Esse engajamento comunitário em contraste à ausência de coordenação política do Governo Federal pode ter surtido efeitos de reconhecimento positivo para aqueles atores sociais. No entanto, ainda resta conhecer se entre as mais de 150 mil mortes e mais de 3 milhões de infectados/as pela Covid-19 no Brasil houve uma quantidade significativa dessas pessoas. O adoecimento e a morte dessas lideranças, que poderiam ver suas ações convertidas em apoio popular na forma de voto, ainda não está evidente no cenário atual.
Note-se, portanto, as diversas contradições apontadas. Existem aspectos que podem servir como possibilidade de avanço à inclusão de demandas populares na política. Existem medidas que buscam coibir o uso excessivo de recursos em campanhas eleitorais. Existem medidas de dispersão de financiamento. Contudo, todos esses fatores estão acompanhados de possibilidades de abuso ou subversão dessas potencialidades. A dinâmica de comunicação não é favorável à disseminação das discussões que poderiam levar essas contradições a um direcionamento favorável à inclusão social e à redução das desigualdades sociais. Ficam, portanto, alguns apontamentos de aspectos críticos sobre os quais aqueles interessados em lutar por uma sociedade mais justa devem atentar de forma urgente, pois são focos importantes de luta sobre a condução atual da política.
Carlos Machado é professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais.
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