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NEPOL UFJF

O Covid-19 em municípios com menos de 20 mil habitantes. Os casos de Gongogi, na Bahia, e Poço Fundo, em Minas Gerais

Raquel Novais

Cientista Política (UFMG) e Jornalista (PUC Minas)

Pesquisadora associada do Centro de Estudos Legislativos (CEL-DCP/UFMG)


O caso Gongogi, BA


Gongogi é uma cidade do sul da Bahia, distante 390 quilômetros da capital Salvador com uma população estimada de 7 mil habitantes(1) . Longe de grandes centros urbanos, no dia 8 de abril a cidade entrou para a estatística da pandemia com o primeiro óbito causado pelo coronavírus. Poucos dias depois, em 14 de abril, um segundo óbito foi confirmado em decorrência da doença e Gongogi passou a ser uma das 22 cidades baianas com casos confirmados de óbitos pelo Covid-19, até o dia 29 de abril, segundo boletim da Secretaria de Estado da Saúde (2).


Gongogi, infelizmente, não é um caso isolado no processo de interiorização do Coronavírus. No dia 29 de abril, 751 cidades brasileiras com menos de 20 mil habitantes registraram 1.998 casos confirmados de Convid-19 e 149 óbitos. Os dados são do projeto Projeto Brasil.IO(3) e mostram, ainda, que em seis estados o número de casos confirmados em cidades com menos de 20 mil habitantes já ultrapassa uma centena: Amazonas (131), Bahia (105), Ceará (151), Paraná (212), Santa Catarina (256) e São Paulo (229).


E como tantas outras cidades pequenas brasileiras que dispõem de limitada infraestrutura de saúde pública, o executivo municipal tem adotado diversas medidas de combate à pandemia. “Aqui nós estamos seguindo todos os protocolos recomendados pela secretaria estadual de Saúde e que são adotados no mundo todo”(4), afirma o prefeito de Gongogi, Edvaldo dos Santos, 50 anos, conhecido como Kaçulo, que está no primeiro mandato e é filiado ao Partido Liberal (PL).


As primeiras ações foram implementadas antes mesmo da ocorrência dos dois óbitos. O primeiro decreto relativo ao combate ao Covid-19 foi publicado em 18 de março, Decreto nº 306(5) , e suspendia pelo prazo de quinze dias atividades escolares e eventos com mais de 50 pessoas. No dia 23 de março, o Decreto nº 307(6) suspendia por quinze dias as atividades comerciais, mantendo abertos apenas serviços essenciais como supermercados, farmácias, bancos, lotéricas e postos de gasolina. Também estabelecia toque de recolher entre as 19 horas e as 06:00 horas. Um terceiro decreto foi publicado no dia 31 de março (Decreto nº 310) permitindo a reabertura do comércio, mas com restrições de horário e indicando que os comerciantes e clientes deveriam seguir as medidas de higiene recomendadas e observar uma distância de dois metros entre as pessoas. No (7)último dia 27, foi publicado o Decreto nº 319(8) tornando obrigatório o uso de máscara facial nas vias públicas, automóveis e em estabelecimentos públicos e privados.


Segundo o prefeito, uma das maiores dificuldades que a prefeitura tem enfrentado é a “falta de consciência das pessoas. Já tivemos mortes aqui por causa do Corona e tem gente que parece ainda não acreditar na doença. Infelizmente, tem gente que continua fazendo festa e churrasco no fundo do quintal. E as vezes precisamos ir junto com a polícia para suspender essas aglomerações que podem prejudicar a toda comunidade”.


O secretário municipal de Saúde, Romeu Bonfim Santos, lamenta: “aqui nós já temos uma situação de transmissão comunitária do coronavírus”. Gongogi conta com um Hospital Municipal – que disponibiliza apenas cinco leitos e um único respirador – e cinco Unidades Básicas de Saúde. A equipe da área de saúde é formada por 127 funcionários.


O balanço da prefeitura, no dia 29 de abril, registrou 04 casos de Covid-19 confirmados; 06 casos aguardando resultado de exame; 13 casos em monitoramento; e os dois óbitos já citados. No caso de necessidade de transferência de um paciente para um leito de UTI, o mais próximo fica em Itabuna, a 100 quilômetros de Gongogi. “Quando precisamos transferir pacientes, não levamos automaticamente para a cidade mais próxima e, sim, para aquela que é indicada pela Central de Leitos da Secretaria de Estado da Saúde. Pode ser Itabuna ou pode ser uma mais longe, como Salvador”, explica Edvaldo dos Santos.


O caso de Poço Fundo, MG


Parte da realidade de Gongogi se repete em muitas outras cidades brasileiras. Poço Fundo, no sul de Minas Gerais, a 388 quilômetros de Belo Horizonte, tem cerca de 16 mil habitantes(9) . No dia 24 de abril a prefeitura confirmou o primeiro caso de Covid-19. Em seu segundo mandato, o prefeito Renato de Oliveira, 61 anos, do Partido dos Trabalhadores (PT), publicou o Decreto nº 30(10) instituindo o “Comitê Gestor do Plano de Prevenção e Contingenciamento do Convid-19”, composto por 16 representantes do poder público e da sociedade civil. “Preferi criar o Comitê por acreditar ser mais democrático e para envolver setores importantes da sociedade nas tomadas de decisão”(11), esclarece Oliveira.


O Decreto nº 30 determinou, ainda, a suspensão das aulas; das atividades comerciais; de atividades públicas e privadas com aglomerações de pessoas; entre outras medidas restritivas de contato social. A reabertura do comércio foi deliberada duas semanas depois, com venda individual na porta de cada loja. “Resolvemos reabrir o comércio com restrições no atendimento porque a população estava indo fazer compras nas cidades vizinhas. E a medida que era para evitar o contato entre as pessoas, acabou se mostrando ineficaz com a circulação das pessoas em outras cidades”, avalia Oliveira.


Um outro desafio enfrentado pelo executivo municipal é o início, neste mês, da safra do café, quando Poço Fundo recebe aproximadamente mil trabalhadores rurais de fora da cidade. O Comitê, por meio da Deliberação nº 3(12) , está orientando os produtores, cooperativas, associações e sindicatos a informarem com antecedência – no mínimo de 10 dias – a previsão de chegada dos trabalhadores, com procedência, local onde ficarão alojados e o nome do empregador. Todos que chegam de fora para a colheita do café deverão permanecer em quarentena por sete dias.


Poço Fundo conta com um hospital administrado por uma Organização Não-Governamental (ONG) e cinco Unidades Básicas de Saúde. A equipe da área de saúde municipal é composta por 190 funcionários. O Hospital possui três respiradores, sendo um recentemente doado por cooperativas agrícolas da região. Poço Fundo integra o Consórcio Intermunicipal de Saúde dos Municípios da Região dos Lagos do Sul de Minas Gerais (Cislagos) e tem o município de Alfenas, distante 45 quilômetros, como referência para o tratamento de pacientes com coronavírus.


Em boletim divulgado pelo Comitê no dia 29 de abril, Poço Fundo registrava 05 coletas para exames; 01 caso positivo; 01 hospitalizado; 26 notificações; e 22 famílias monitoradas. A Deliberação nº 4(13), publicada no dia 30 de abril, tornou obrigatório o uso de máscara a partir do dia 1º de maio em todo o município.


Avanço do Covid-19 nas cidades mineiras com menos de 20 mil habitantes


Projeções utilizadas como referência pelo SUS (Sistema Único de Saúde), mostram que, até 2019, dos 853 municípios de Minas Gerais, 668 (78,3% do total) têm menos de 20 mil habitantes. Estas cidades enfrentam a pandemia do Covid-19 com realidades próprias e desafios comuns, como a precariedade da rede pública de saúde. De acordo com dados da Secretaria Estadual de Saúde de Minas, sistematizados pelo site Coronavirus-mg.com.br(14) , entre os dias 23 de março e 29 de abril, nas cidades com menos de 20 mil habitantes os casos suspeitos somam mais de 1.300, sendo 96 casos confirmados, número este distribuído por 61 municípios. O número de óbitos em cidades com esse perfil populacional chegou a 14, no período analisado.






 



3Projeto Brasil.IO, acesso em 29 de abril de 2020: https://brasil.io/home/


4Entrevista realizada dia 24 de abril, por telefone, com o prefeito e a equipe de saúde de Gongogi








11Entrevista realizada dia 29 de abril, por telefone




14Agradeço ao jornalista Cristiano Martins pela organização dos dados com o recorte usado neste artigo. Site: Coronavírus-MG, acesso em 29 de abril: https://www.coronavirus-mg.com.br.

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