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Niterói e a pandemia: as benesses da prosperidade

 Cezar Aloisio Pascoa Braga

Economista, especialista em Relações Internacionais

Servidor da Universidade Federal Fluminense


Para analisar a resposta de Niterói ao desafio da pandemia, devem-se levar em conta três particularidades da cidade: a afluência do município, seu perfil sociodemográfico e a busca, por parte da atual administração municipal, de uma narrativa de redenção. Niterói é uma cidade próspera: seu Índice de Desenvolvimento Humano municipal (IDHm), segundo o Censo de 2010, é de 0,837, o sétimo mais alto do país. A urbe beneficiou-se, nas últimas décadas, da exploração petrolífera, o que compensou, em boa medida, as perdas ocasionadas pela fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, em 1975, e o fim do status de capital estadual. Niterói e a vizinha Maricá são os municípios de maior arrecadação de royalties da atividade petrolífera no estado, e a receita total do município cresceu ininterruptamente, mesmo durante a crise econômica de 2014-16. Antes da atual pandemia, projetava-se receita acima de R$1,2 bilhão em 2020 apenas com royalties. A afluência do município, contudo, não impede a existência de favelas e bairros de baixo desenvolvimento humano, os quais concentram cerca de 10% da população do município, segundo o Plano Estratégico Municipal para Assentamentos Informais Urbanos de Niterói (PEMAS).


Dentre os estimados 513.584 habitantes de Niterói, cerca de 12,17% tinham 65 anos ou mais em 2010. A proporção é alta e, como a cidade envelhece rapidamente, pode-se, razoavelmente, projetar índice significativamente maior em 2020. Niterói, ademais, é 100% urbana, um centro logístico importante e uma cidade cosmopolita. Apesar de sua população relativamente reduzida em comparação aos cerca de 13 milhões de habitantes da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), a qual integra, Niterói conta com equipamentos importantes para a circulação de pessoas e mercadorias no estado do Rio de Janeiro, como a Ponte Rio-Niterói e a malha de terminais de transporte marítimo das barcas. Niterói, ademais, é uma das 20 cidades com mais migrantes internacionais do Brasil e quase metade da população da cidade pertence às classes A e B, boa parte da qual tem o hábito de viajar internacionalmente. Como se sabe, Populações idosas são especialmente vulneráveis aos efeitos do COVID-19, e regiões densas e de grande fluxo regional, nacional e internacional de pessoas são particularmente atingidas pela pandemia.


Em 2016, Niterói reconduziu Rodrigo Neves (então no PV) à frente da prefeitura. Na ocasião, a cidade foi o único município da Região Metropolitana do Rio de Janeiro a reeleger seu prefeito. O pleito consolidou Neves como quadro em ascensão, fato confirmado no biênio seguinte, quando o prefeito se filiou ao PDT e coordenou a campanha presidencial de Ciro Gomes no estado. Em dezembro de 2018, contudo, Neves foi preso preventivamente em um desdobramento da Lava Jato. No mesmo mês, a base governista evitou o impedimento do prefeito na câmara municipal. Em março de 2019, a prisão de Neves foi revogada pelo TJ-RJ, e o sociólogo foi reencaminhado à prefeitura. Uma atuação eficaz no combate à pandemia, por parte da administração municipal, portanto, é fundamental para a continuidade da ascensão do grupo político de Neves, em especial para a eleição de seu sucessor apontado, Axel Grael, no pleito deste ano.


Esses três fatores – afluência material, vulnerabilidade da população e necessidade de restaurar a imagem da administração municipal – explicam a significativa abrangência das medidas tomadas pelo município para enfrentar a pandemia. De fato, ainda em janeiro a prefeitura institucionalizou um grupo de resposta rápida, buscando antecipar-se à chegada da pandemia no município, com ações de planejamento e orientação a profissionais da saúde.


Em 10/03, registrou-se o primeiro caso de contaminação pelo vírus na cidade . Com o agravamento da pandemia e o aumento do número de casos na RMRJ e em Niterói, o município declarou emergência em saúde pública no dia 16/03, com o fechamento de espaços públicos e instalação de regime de trabalho home office para servidores maiores de 60 anos. Essa medida foi seguida pela decretação de quarentena total em todo o município, a partir de 23/03, e todos os estabelecimentos comerciais e industriais da cidade, à exceção de serviços essenciais, foram fechados. A partir do dia 04/04, ademais, todos os acessos à cidade foram fechados a não residentes até pelo menos 18/04, uma medida sem precedentes na cidade e a mais restritiva tomada em toda a RMRJ Essas medidas de isolamento social foram acompanhadas de ampla campanha de comunicação, com presença constante de carros de som nas ruas e implantação de disque-denúncia, para a delação de casos de descumprimento da quarentena obrigatória. Diariamente, Rodrigo Neves realiza live nas redes sociais da prefeitura. Nestas aparições, o prefeito, cercado dos secretários municipais, atualiza os números da pandemia no município, anuncia novas ações do poder público e defende a necessidade do isolamento social. Trechos dessas aparições públicas são compartilhados à exaustão em grupos de whatsapp dos niteroienses. A prefeitura também centralizou em uma página de seu sítio na internet a listagem de todas as medidas já tomadas para enfrentamento da pandemia.


Após o pronunciamento do Presidente da República, no dia 24/03, em que o chefe do executivo federal defendeu o fim do isolamento social e, assim, polarizou o debate sobre a pandemia no país, há uma escalada de ações da prefeitura no âmbito socioeconômico e a defesa, por parte do prefeito, da necessidade de ações de restrição de circulação de pessoas. Assim, em 25/03 a prefeitura disponibiliza R$ 150 milhões em crédito a juro zero para micro, pequenas e médias empresas, para viabilizar capital de giro, com condicionalidades relacionadas à preservação de empregos, além do compromisso de arcar com o salário de funcionários de pequenas empresas, do pagamento de um salário mínimo por mês a todos os taxistas registrados na cidade e do arrendamento de dois hotéis para alojar pessoas em situação de rua e profissionais da saúde, por três meses. Em 01/04, a prefeitura anuncia a instituição de renda básica emergencial para 35 mil famílias de baixa renda. Essas ações somaram-se a providências anteriores, como o adiamento do pagamento do ISS no município por três meses(15/03) e o pagamento de auxílio de R$ 500,00 por três meses a todos os microempreendedores individuais (MEI) registrados no município (19/03). Em claro contraponto ao discurso do Presidente da República, Neves defendeu que “salvar vidas não é contraditório em manter a economia de Niterói de pé”.


Quanto às ações diretas de combate à doença, foram liberados R$ 200 milhões em créditos suplementares no orçamento municipal para “compra emergencial de insumos, equipamentos de proteção individual e abertura de leitos”. Com a ampliação do orçamento da secretaria de saúde, o município tomou medidas como a compra e distribuição de 80 mil kits de higiene (com sabão em pó, álcool, água sanitária e sabão líquido) em bairros de baixo IDH, adoção de medidas de sanitização especial, contratação de processo seletivo emergencial para preenchimento de 456 vagas temporárias na área de saúde, compra de 80 mil kits para testagem de infecção pelo vírus em comunidades carentes. Além dessas medidas de profilaxia, tomaram-se medidas como a requisição administrativa do Hospital Oceânico (particular) e sua conversão, por um ano, em polo de atendimento para casos de COVID-19, com abertura de 140 leitos de UTI com respiradores, exclusivos para lidar com a doença e aquisição de ambulâncias com UTI. A partir de quinta-feira, 30/03, o município começou a testar em massa todas as pessoas com sintomas respiratórios – a medida mais abrangente de testagem de população adotada no Brasil até o momento. No dia 03/04, as administrações municipais de Niterói e de Maricá assinaram protocolo de intenções para o repasse de R$ 90 milhões ao município vizinho de São Gonçalo, para a construção de hospital de campanha de 200 leitos naquela cidade


As medidas adotadas pelo Município, portanto, têm sido extensivas, mesmo em comparação com as providências de administrações de municípios maiores ou de governos estaduais. Essa abrangência – tomada no contexto de medidas já bastante extensivas tomadas pelo governo estadual – só é possível, evidentemente, devido à prosperidade do município, que permite à administração local, empenhada na mudança de sua reputação, tomar medidas amplas para combater os efeitos de uma pandemia que, dado o perfil demográfico da cidade, poderia produzir perdas humanas significativas em Niterói.


Segundo o boletim divulgado pelo prefeito Rodrigo Neves em 04/04, Niterói tinha, até essa data, 79 casos confirmados do COVID 19, dos quais 32 em isolamento domiciliar e 17 hospitalizados – 14 em leitos de UTI. 28 casos tiveram alta e dois casos levaram à morte dos pacientes.



Referências





Simulação realizada em 04/04 no site da ANP, contudo, indicava que, como efeito da queda do preço do barril, esse valor havia caído para R$ 401 milhões (considerando um câmbio médio de R$ 4,44 para 2020). A consulta pode ser feita no site.





8 Idem



10 IBGE – Perfil dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro, 2019. P.104. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101668.pdf














23 Ver, por exemplo, a página da prefeitura no Facebook: https://www.facebook.com/PrefeituraMunicipaldeNiteroi/






















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