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NEPOL UFJF

Governos municipais em cooperação para o enfrentamento da COVID - 19: o caso do ABC Paulista


Vanessa Elias de Oliveira 1

Gilberto M.A. Rodrigues 2

Rafael Venijo Maggion 3


A região do ABC paulista é reconhecida nacionalmente como exemplo de cooperação regional: com uma identidade própria, abriga um dos mais antigos consórcios intermunicipais do país, o Consórcio Intermunicipal Grande ABC. Composta por sete municípios – Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, tem mais de 2,8 milhões de habitantes4. A região representa um dos maiores mercados consumidores do país e seu PIB Industrial é o segundo maior do estado e terceiro do país5.


Politicamente, a região foi marcada pela presença de governos de esquerda, quadro que se alterou nos últimos anos. Dos sete municípios, quatro são governados pelo PSDB.


Quadro: Municípios do ABC Paulista, população, prefeito e PIB per capita.



Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do IBGE (2017).


Em meados de março deste ano, o tema da pandemia passou a ser tratado publicamente pelos municípios do ABC paulista. No dia 15 foram noticiados os primeiros casos de Covid-19 no ABC, em São Bernardo e São Caetano do Sul. No dia seguinte o prefeito Orlando Morando afirmou: “Venho reconhecer que o problema chegou a São Bernardo”6. Já no dia 17 as prefeituras anunciaram medidas preventivas para seus servidores7, incluindo a dispensa daqueles com mais de 60 anos para home office antes mesmo do decreto estadual demandando o isolamento social, em 20/03/2020.


No dia 18, o Consórcio Intermunicipal Grande ABC decidiu suspender o transporte público municipal, de maneira gradativa até o dia 28 de março e total a partir do dia 29. Essa medida era parte de “um esforço regional para conter o avanço do novo coronavírus”8. Mas ela foi suspensa em poucos dias, após diálogo do Consórcio com o Secretário de Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo, Alexandre Baldy9. Interessante notar que, conforme apontaram Ré e Oliveira (2018)10, os municípios conseguem dialogar mais facilmente com o governo do estado em função de sua atuação coordenada, o que os fortalece nas negociações com o nível estadual. 


Em atenção às necessidades das populações mais vulneráveis, o Consórcio elaborou um documento, encaminhado ao presidente da República, demandando medidas emergenciais para mitigar os impactos econômicos e sociais da crise, evidenciando a atuação regional conjunta.


Outra medida adotada conjuntamente pelos municípios foi a edição de decretos para o uso de máscaras em locais e serviços públicos da região. Além disso, os prefeitos decidiram coletivamente que estabelecimentos comerciais e as concessionárias de transporte público deveriam medir a temperatura dos usuários, assim como fornecer álcool em gel11. 


Algumas parcerias firmadas pelo Consórcio também demonstram a coordenação regional. Com a empresa 99, o Consórcio conseguiu a doação de 5 mil corridas para profissionais de saúde e assistência social que estão atuando no combate ao coronavírus. Em abril, deu início ao “Drive Thru Solidário Regional” para arrecadação de alimentos e materiais de higiene e limpeza, os quais estão sendo encaminhados para os Fundos Sociais de Solidariedade dos municípios, que repassam para famílias em situação de vulnerabilidade social.


Em parceria com a Universidade Federal do ABC (UFABC), o Consórcio lançou a plataforma COVIData para mapear casos suspeitos e auxiliar na tomada de decisão. Trata-se de questionário online, seguindo protocolos estabelecidos pelo Ministério da Saúde, que ajuda a subsidiar as secretarias municipais no acompanhamento da disseminação da doença. Entre 29/04 e 10/05 o COVIData analisou dados relacionados aos municípios do ABC paulista, chegando a um total de 2672 triagens; destas, 1106 foram classificadas como suspeitas e 828 como suspeitas graves12. 


Em início de maio o Consórcio anunciou a compra de 1 milhão de equipamentos de proteção individual (luvas, máscaras descartáveis, aventais descartáveis, óculos de proteção e álcool em gel) para os sete municípios. De acordo com o presidente do consórcio, “a compra coletiva permite reduzir os custos do processo e adquirir uma grande quantidade de equipamentos indispensáveis para o trabalho dos nossos profissionais de saúde”. Essa é, sem dúvida, uma das grandes vantagens da atuação coordenada, ainda mais necessária em tempos de pandemia.


Divergências nas políticas municipais de enfrentamento à Covid-19


Algumas ações questionaram o consenso regional em relação à Covid-19. O Consórcio cogitou mudar seu posicionamento sobre o isolamento social, em alinhamento com o presidente Jair Bolsonaro. O presidente e o vice-presidente do Consórcio pediram que a população se manifestasse sobre o tema por um meio controverso: que seus seguidores na rede social Facebook opinassem sobre o isolamento. A postura, no entanto, contrariou os prefeitos de São Caetano do Sul, São Bernardo do Campo e Ribeirão Pires, os quais declararam que continuariam seguindo as recomendações do governo estadual e da OMS13.


No dia 23/04, Diadema liberou a reabertura do comércio por meio de decreto, mas no dia seguinte o Ministério Público obteve liminar na justiça para impedir o funcionamento do comércio no município. 


A evolução da Covid-19 e as respostas da sociedade


Os fatos impõem aos prefeitos a necessidade de seguir as recomendações técnicas. Em reunião extraordinária no dia 04/05, os prefeitos dos sete municípios decidiram pela manutenção das medidas de isolamento, seguindo o governo do estado. Naquele momento os municípios contavam com 2.049 casos e 188 mortos. Segundo o presidente do Consórcio, “as regras estabelecidas pelo governo estadual e pelas prefeituras devem ser seguidas rigorosamente para podermos minimizar o avanço da pandemia. Com isso, podemos reduzir a contaminação e, futuramente, sairmos da quarentena”14. 


Apesar do realinhamento com o governo estadual, que defende o isolamento, o Índice de Isolamento Social, monitorado e publicizado pelo Consórcio15, vêm caindo nos municípios do ABC. No dia 14/05 a taxa mais alta era de Ribeirão Pires, de 53%, e a mais baixa, de São Caetano do Sul, de 45%.


O painel informativo do Consórcio apresenta dados diários de casos e óbitos confirmados por município do ABC, assim como do estado de São Paulo e do Brasil.  Em 14/05 já eram 3.240 casos confirmados (6.041 aguardavam resultado) e 309 mortes (e 51 ainda aguardavam o resultado dos exames). Este é, sem dúvida, um importante instrumento de monitoramento da pandemia nos municípios da região e um ganho advindo da cooperação intermunicipal na região. 


Os custos para a não cooperação são grandes e, desta forma, o consórcio intermunicipal auxilia enormemente os municípios no combate ao coronavírus, facilitando a coordenação e o monitoramento da pandemia. Os gestores ganham conjuntamente, assim como os cidadãos da região. 

 

 


1Doutora em Ciência Política pela USP, docente e coordenadora da Pós-Graduação em Políticas Públicas da UFABC.


2Doutor em Ciências Sociais pela PUC/SP, docente e coordenador da Pós-Graduação em Relações Internacionais da UFABC. Coordenador do Núcleo de Estudos do Federalismo e Poder Local da UFABC.


3Bacharel em Políticas Públicas pela UFABC e diretor de departamento na Prefeitura de São Paulo.








10Eduardo Scorzoni Ré e Vanessa Elias de Oliveira (2018), “Cooperação intergovernamental na política de mobilidade urbana: o caso do Consórcio Intermunicipal do ABC”, Urbe – Revista Brasileira de Gestão Urbana, 2018 jan./abr., 10(1), 111-123. In :https://www.scielo.br/pdf/urbe/v10n1/2175-3369-urbe-2175-3369010001A09.pdf.







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