Mateus Rodrigues Jorge
Ian Alves Ferreira
É bastante comum que as eleições municipais sejam tomadas como uma antecipação das eleições gerais uma vez que definem as condições sob as quais partidos e candidatos definirão suas estratégias. Passadas as eleições municipais deste ano, muitos têm se perguntado quem saiu ganhando e qual foi o desempenho de Lula e Bolsonaro como cabos eleitorais de seus aliados, principalmente nas capitais e nos grandes centros urbanos.
Jair Bolsonaro e Luís Inácio ocuparam posições e tinham objetivos distintos nas eleições deste ano. Na reta final das campanhas, Lula pouco havia subido em palanques ao lado de candidatos do seu partido ou de aliados que possuíam chances de ir ao segundo turno, como ocorreu em Vitória (ES), Porto Alegre (RS), Natal (RN) e Goiânia (GO). O presidente contrariou a expectativa da direção do Partido dos Trabalhadores que esperava um maior engajamento no pleito. A exceção foi São Paulo, onde Lula participou de um comício ao lado de Guilherme Boulos (PSOL) e Marta Suplicy (PT) no início da campanha, em 24 de agosto, e no dia anterior à eleição, em uma caminhada na Avenida Paulista.
O comportamento de Lula sugere que um de seus principais objetivos foi limitar a ascensão de lideranças bolsonaristas, mesmo que às custas de um maior protagonismo do PT. É o que indica seu apoio a Eduardo Paes (PSD) no Rio de Janeiro e a João Campos (PSB) em Recife, cidades nas quais o PT sequer conseguiu indicar o candidato a vice-prefeito, contentando-se com o mal menor. Além disso, a postura mais contida de Lula a favor dos aliados pode ter sido uma estratégia para evitar desgastes com adversários do MDB, União Brasil e PSD, que compõem o gabinete de Lula e fazem parte de sua base no Congresso. Em outras palavras, o presidente parece ter priorizado a manutenção de boas relações com sua base legislativa de modo a avançar a agenda do governo nos dois anos de mandato que lhe resta.
Livre das amarras da governabilidade, mas limitado pelos interesses de Valdemar da Costa Neto, está Bolsonaro. O partido no qual o ex-presidente resolveu abrigar-se, o Partido Liberal (PL), historicamente integrou o centrão e, antes de sua guinada à direita, compôs a chapa vitoriosa de Lula em 2002 com o vice-presidente José Alencar, quando ainda se chamava Partido da República (PR). Ao contrário de 2020, quando Bolsonaro não participou decisivamente das eleições municipais, sua atuação em 2024 serviu como um teste de força e uma forma de garantir sua sobrevivência política ao eleger aliados que mais tarde deveriam retribuir os serviços prestados pelo ex-capitão.
Com ou apesar de Bolsonaro?
Apesar de seu maior engajamento, não é fácil mensurar o peso e o impacto do apoio de Bolsonaro na eleição de prefeitos. A taxa recorde de reeleição sugere que o grande volume de emendas parlamentares canalizadas por deputados aos municípios e o uso da máquina podem ter sido mais decisivos do que o apoio de Bolsonaro. É o que parece indicar os casos de Tião Bocalom em Rio Branco e de JHC em Maceió. Por outro lado, a atuação dos governadores na eleição de seus aliados nas capitais foi bem mais intensa e decisiva. Alguns exemplos são Elmano de Freitas (PT) em Fortaleza, Helder Barbalho (MDB) em Belém, Ronaldo Caiado (União) em Goiânia, Ratinho Junior (PSD) em Curitiba e Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo.
Ressalvas feitas, pode-se dizer que o apoio de Jair Bolsonaro e de bolsonaristas, com especial destaque para o jovem deputado federal Nikolas Ferreira (PL), foi mais importante do que o de Lula para a eleição ou para a ida de candidatos para o segundo turno em capitais, com especial destaque para Bruno Engler (PL) em Belo Horizonte, André Fernandes (PL) em Fortaleza e Cristina Graeml (PMB) em Curitiba.
O caso curitibano é um exemplo da postura ambígua de Bolsonaro no primeiro turno e das divergências entre ele e Valdemar da Costa Neto. O PL formalmente integrou a chapa de Eduardo Pimentel (PSD), vice-prefeito de Rafael Greca (PSD) e seu indicado à sucessão, que contou com o apoio do governador Ratinho Junior (PSD). No entanto, Cristina Graeml, do nanico PMB, que contava com apenas 5% das intenções de voto nas primeiras sondagens eleitorais, despontou com força na reta final após publicar um vídeo ao lado de Pablo Marçal (PRTB) e outro em que conversava com Jair Bolsonaro em chamada de vídeo. A atuação dúbia do ex-presidente em Curitiba e em São Paulo gerou críticas dos aliados, sendo que as mais duras partiram do pastor Silas Malafaia.
Em São Paulo, Bolsonaro condicionou seu apoio à candidatura de Ricardo Nunes (MDB) à indicação do coronel Mello Araújo (PL), ex-comandante da ROTA, para compor a chapa como vice. Apesar disso, a rápida ascensão de Pablo Marçal (PRTB) nas pesquisas e a migração do eleitorado bolsonarista para a candidatura do coach embaralhou as peças do tabuleiro. Marçal tentou se aproximar de Bolsonaro publicando uma foto antiga ao lado do ex-presidente e por meio de seu discurso e estratégias nas redes sociais. Por se aproximar muito mais do “bolsonarismo raiz” do que o “candidato oficial” de Bolsonaro, este último passou a ser cobrado por seus eleitores a se posicionar a favor de Marçal. Do outro lado, Valdemar e Tarcísio o instigava a cumprir o acordo firmado com Nunes. Bolsonaro permaneceu em cima do muro durante quase toda a campanha e só reafirmou seu apoio a Nunes poucas horas antes da eleição.
No entanto, mais do que Bolsonaro, o apoio de Tarcísio de Freitas (Republicanos) foi decisivo para a ida do atual prefeito da capital paulista ao segundo turno das eleições. Além do caso paulista, o modesto apoio dispensado por Bolsonaro aos demais aliados nas capitais pode ser uma decisão estratégica de não trabalhar a favor de prováveis presidenciáveis em 2026 – como Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado e Ratinho Jr. – que sairiam fortalecidos com a vitória dos candidatos apoiados por eles nas capitais.
Direita x Direita
Outro fator demonstrativo das mudanças na balança de poder no campo das direitas e da vitória em relação à esquerda é o fato de que em várias capitais do país o segundo turno será um embate entre direita e direita. Um exemplo é Belo Horizonte, onde o candidato bolsonarista Bruno Engler (PL) enfrentará o atual prefeito Fuad Noman (PSD), representante de forças políticas tradicionais. O mesmo ocorre em Goiânia, onde o segundo turno entre Fred Rodrigues (PL) e Mabel (União) reproduz uma disputa entre seus respectivos apoiadores, Jair Bolsonaro e Ronaldo Caiado. O favorito em Manaus, David Almeida (Avante), é um legítimo representante da política tradicional: conservador e evangélico, porém sem associação com a estética cara ao bolsonarismo. Almeida irá enfrentar o capitão Alberto Neto (PL), este completamente alinhado com a mística militarista representativa dos correligionários de Bolsonaro. Situações semelhantes se repetem também no segundo turno em Belém e Palmas. O caso de Belém assemelha-se a Goiânia: o tradicionalismo político de Igor Normando do MDB se choca com o delegado bolsonarista Eder Mauro e suas pautas de segurança e antiambientais. Normando, compondo chapa pura do MDB com Cássio Andrade, é primo do governador Helder Barbalho, tradicional político paraense. Para a prefeitura de Palmas, Janad Valcari (PL) lidera as intenções de voto para o segundo turno contra Eduardo Siqueira Campos (PODE). Valcari conta com o apoio direto de Bolsonaro em sua campanha.
Bolsonaro e Lula e as disputas de segundo turno
Em menor número se comparado ao PL, o PT conseguiu chegar até o segundo turno em 13 cidades, sendo 4 capitais. Em Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB) parece ter superado os desgastes à sua imagem ocasionados pela administração desastrosa antes e durante a crise causada pelas enchentes no Rio Grande do Sul em abril deste ano. Ele passou ao segundo turno com 49,72% dos votos. Maria do Rosário (PT), figura tradicional da esquerda brasileira, não conseguiu, por sua vez, mobilizar a força política necessária para superar os números de Melo no primeiro turno.
Em Cuiabá, PL e PT se enfrentarão diretamente no segundo turno. Pela esquerda, o médico sanitarista Lúdio Cabral traz consigo pautas associadas à saúde pública e inclusão. Brunini aborda o repertório clássico do bolsonarismo e sustenta a sua campanha sobre o combate à corrupção.
Em Fortaleza, Evandro Leitão (PT) enfrenta André Fernandes do PL. O candidato do partido liberal promoveu uma campanha descolada da imagem de Jair Bolsonaro, fato que incomodou seus apoiadores. Mas sua vitória, caso se concretize, será a vitória da extrema-direita. Fernandes, que já ocupou o cargo de deputado estadual e federal, começou sua trajetória como youtuber, se alinhou ao bolsonarismo e, segundo a Polícia Federal, teve participação na tentativa de golpe de 8 de janeiro, fato que o tornou alvo de investigação pelo Supremo Tribunal Federal.
O apoio de Lula e Bolsonaro também compôs parte significativa da disputa em Natal. O atual Presidente da República, entretanto, não esteve presente na capital para apoiar a candidata do PT, Natália Bonavides. Bolsonaro, por sua vez, encontrou pessoalmente Paulinho Freire (União) e declarou seu apoio. Freire, porém, não corresponde ao perfil de bolsonarista clássico, compondo a imagem do candidato tradicional da direita. No tocante às propostas, a drenagem e prevenção contra alagamentos é pauta forte para Bonavides. Ambos os candidatos parecem focar seus projetos na melhoria das condições das creches em Natal.
No quadro abaixo classificamos o comportamento de Bolsonaro em relação aos candidatos do PL ou apoiados pelo PL. Consideramos sucesso se o candidato foi eleito no primeiro turno ou se passou para o segundo turno. Consideramos como empenho se Bolsonaro pessoalmente participou de atividades de campanha ao lado do(a) candidato(a) e/ou deu sinais de apoio inequívoco a ele(a). O Quadro mostra que Bolsonaro se empenhou para eleger seu aliado e obteve sucesso em 12 capitais. Em cinco ele se empenhou, mas fracassou. Nas nove capitais nas quais ele não se empenhou, em seis ele obteve sucesso, que se deveu a outros fatores como a vantagem do mandatário ou o apoio do governador, e em três ele fracassou.
Fonte: elaboração própria.
Fora do eixo das capitais, a pernambucana Jaboatão dos Guararapes reelegeu Mano Medeiros (PL) com 55,9% dos votos válidos. Medeiros também optou por manter sua imagem independente da figura de Bolsonaro durante toda a campanha. Em contrapartida, o PT obteve vitória no primeiro turno em Juiz de Fora, MG. Margarida Salomão foi eleita com 53,96% dos votos válidos, derrotando nomes tradicionais da política juiz-forana, além do candidato diretamente apoiado por Bolsonaro, Charlles Evangelista do PL. Em Angra dos Reis, município do sul do estado do Rio de Janeiro onde o ex-presidente possui uma residência que foi alvo de uma operação da Polícia Federal no início do ano, Bolsonaro esteve presente apoiando um candidato a apenas quatro dias da eleição ao lado de seu filho Flávio. Ali, a “máquina” municipal parece ter funcionado melhor do que o apoio dos dois: o candidato Cláudio Ferreti (MDB), indicado pelo atual prefeito, venceu por uma pequena margem de diferença, apesar da acusação do ex-presidente, no dia seguinte ao pleito, de que a campanha de Ferreti utilizou sua imagem sem autorização.
Também com o apoio de Bolsonaro, José Ronaldo derrotou o PT no pleito em Feira de Santana, BA. Vencendo em primeiro turno com 50,32% dos votos, o candidato do União Brasil detém a marca de cinco vitórias em primeiro turno para a prefeitura. Em Blumenau, SC, o delegado Egídio (PL) venceu o candidato do Novo também no primeiro turno. Egídio contou com o apoio pleno do deputado Nikolas Ferreira em sua campanha.
No primeiro turno das capitais – São Paulo, Porto Alegre, Natal, Fortaleza e Cuiabá – em que a esquerda logrou êxito (ou ao menos, não foi derrotada), PT e PSOL apresentaram resultados semelhantes, chegando ao segundo turno em desvantagem em todos os casos. Em comparação com 2020, quando elegeu 182 prefeitos no primeiro turno, o desempenho do PT em 2024 é positivo com as 248 prefeituras conquistadas. Considerando a estratégia de pouca interferência nas eleições municipais de Lula, a reeleição de Eduardo Paes (PSD) e a derrota de Alexandre Ramagem (PL) no principal reduto eleitoral da família Bolsonaro foi uma boa notícia para o presidente. Dois dias após a eleição, Eduardo Paes (PSD) encontrou-se com Lula no Palácio do Planalto para agradecer o apoio do presidente, apesar de ter recusado a indicação de um candidato do PT na chapa e de ter escondido o atual presidente em sua campanha. Porém, as vitórias da esquerda foram poucas se comparadas com os partidos de centro e direita. Juntos, PSD (877) e MDB (846) conquistaram 1.723 prefeituras, o equivalente a 30,9% do total. Os principais partidos de direita, PP (743), União (578), PL (509) e Republicanos (403), conquistaram 2.233 prefeituras ou 40,1% do total.
As eleições municipais de 2024 oferecem um bom ponto de partida para analisar a correlação de forças entre partidos, campos ideológicos e lideranças políticas no país. Mesmo que os resultados indiquem uma recuperação do PT em relação a 2020 o partido ainda está muito longe do lugar que ocupou entre 2006 e 2016. Vale destacar que no último pleito o partido não elegeu prefeito em nenhuma capital e, em 2016, havia eleito apenas Marcus Alexandre em Rio Branco. O centro e a direita saem fortalecidos, o que reproduz o cenário do Congresso Nacional e de muitos estados brasileiros.
As eleições também serviram para testar a força dos principais partidos e lideranças políticas, entre elas a do atual e do ex-presidente. Como mencionamos, em nome da governabilidade e da manutenção de boas relações com os partidos de sua base, o presidente Lula optou por não se engajar intensamente nas campanhas, diferentemente do que fez durante seus primeiros dois mandatos. Bolsonaro, diferentemente da eleição de 2020, se engajou mais fortemente nas eleições de 2024, menos por vontade própria e mais devido a seus compromissos com o PL de Valdemar da Costa Neto. Como sempre, contudo, o ex-presidente não se deixou disciplinar facilmente pelos acordos e orientações partidárias. O comportamento errático de Bolsonaro, o surgimento e fortalecimento de novos atores na ultradireita, a reabilitação de lideranças do centro e da direita tradicional, em conjunto, desenham um cenário muito mais complexo no campo da direita brasileira.
Ian Alves Ferreira e Mateus Rodrigues Jorge são cientistas sociais e mestrandos em Ciências Sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora.
Agradecemos à Yohana Araújo e Dilla Roman pelo auxílio no levantamento de dados.
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