Ian Alves Ferreira

Juiz de Fora, noite de 6 de outubro de 2024. Em publicação nas redes sociais, um homem trajando a simbólica camisa da seleção brasileira adentra confiante em seu então comitê de campanha. A multidão exultante com a sua chegada, grita seu nome repetidas vezes em uníssono: Mello! Em resposta, o homem se coloca na ponta dos pés e com os braços sobre a cabeça, simula comicamente a clássica quinta posição do balé. Apesar da histórica vitória da prefeita Margarida Salomão (PT) ainda no primeiro turno, não faltam razões para Sargento Mello Casal comemorar. No terceiro mandato como vereador, Mello superou seus dois resultados anteriores, eleito com impressionantes 7.590 votos. A derrota de seu partido, o PL, na disputa pela prefeitura, também foi amenizada pela conquista da segunda maior bancada da Câmara Municipal, contando com 3 vereadores.
Carlos Alberto de Mello nasceu em Juiz de Fora, MG, em 19/01/1973. Ingressou na Polícia Militar de Minas Gerais em 1992, aos 19 anos. Sua aproximação com o militarismo não foi obra do acaso. Proveniente de uma família de policiais, Mello ressalta a influência dos mesmos sobre sua escolha profissional. Ao longo de sua carreira, adquiriu experiência em diversos setores internos da PMMG, tendo ocupado desde cargos burocráticos até atividades de policiamento ostensivo, como a radiopatrulha. Atuou em três municípios, designado inicialmente para Lima Duarte, seguindo para a 4º companhia independente em Frutal e, finalmente, o 27º BPM em Juiz de Fora. Mas, seus 25 anos de serviço na Polícia Militar não foram de todo tranquilos. A eclosão de protestos de policiais no final da década de 1990 iria impactar sua carreira como policial, marcando também sua entrada na vida pública.
O movimento de 97
No ano de 1997, insatisfeitos com a precarização das condições de trabalho, praças lotados em Belo Horizonte organizaram a suspensão parcial das atividades. A paralisação seguiu na esteira do reajuste salarial liberado pelo então governador Eduardo Azeredo (PSDB), voltado apenas ao oficialato da polícia. Porém, o principal fator associado à deflagração do movimento foi o assassinato do Cabo Glendyson Hércules de Moura Costa, morto em junho de 1997, tentando impedir um assalto a uma casa lotérica. O policiamento nas ruas, além de ações de resposta a ocorrências, foram interrompidos temporariamente. Dentre as exigências, policiais de patente mais baixa pleiteavam aumento do salário e melhores condições de segurança. Após negociações mal sucedidas com o governo, insurgentes das polícias civil e militar saíram em uma passeata que contou com mais de 6 mil pessoas. O evento foi marcado por conflitos com os policiais que não aderiram à paralisação e tentavam defender o Palácio da Liberdade, na época centro administrativo da capital. Após duras negociações, o governo anunciou o reajuste de 48,2% para os praças.
O movimento de 97 inspirou outros protestos pelo país, com a adoção de exigências semelhantes por lideranças das PMs de outros estados brasileiros. No contexto juiz-forano, o então cabo Mello junto de dois sargentos, integraram a Comissão de Negociação dos Praças, apoiando os insurgentes em Belo Horizonte e participando ativamente do movimento. A atuação de Mello garantiu popularidade entre seus pares, mas não entre os legalistas. Militarmente, sua insubordinação quase lhe acarretou uma transferência para o Corpo de Bombeiros do Estado de Minas Gerais, fato impedido apenas pela sua aprovação no Curso Especial da Formação de Sargentos (CEFS). A aposta do recém promovido Mello se mostrou acertada. Acumulando capital político, passaria a ser conhecido entre o meio policial pela patente que levaria consigo até as urnas: Sargento Mello Casal.
O vereador
Em sua sucinta biografia descrita em seu site oficial, Mello atribui sua entrada na política no ano de 2016 à ação de um grupo de policiais que “manifestou o desejo de tê-lo como porta-voz” e ao apoio de pessoas dos bairros onde morou. Esses locais, posteriormente, se tornariam seus redutos eleitorais. Sua primeira disputa como candidato a vereador ocorreu pelo PTB, quando ele se elegeu com 2.306 votos. A estética de sua campanha remetia à sua relação com o militarismo, evidenciada no logotipo que traz um alvo semelhante ao utilizado nos estandes de tiro. Junto de seu nome e número, o mote: “Compromisso com a cidadania”. Em sua primeira candidatura, Mello utilizou cores associadas ao PTB, padrão que iria se modificar ligeiramente ao longo dos anos.
Compondo a 40ª legislatura (2017-2020), o sargento manteve sua relação com temas de segurança, levantando pautas relacionadas às forças policiais, exército, bombeiros e vigilantes em suas propostas de lei. Propondo principalmente projetos voltados para datas comemorativas e honrarias, Mello buscou homenagear forças de segurança em geral. Dentre suas propostas transformadas em leis, Mello instituiu os dias municipais da polícia e do bombeiro militar, da guarda municipal e do agente penitenciário. Apresentou propostas relacionadas com as condições de trabalho de vigilantes em instituições bancárias, criando padrões para o tipo de equipamento de segurança utilizado pelos mesmos no município. Em seu primeiro mandato, o sargento transitou, em sua atividade legislativa, entre títulos honoríficos, denominações de ruas e datas marcantes, estas voltadas quase exclusivamente para o reconhecimento e homenagem às forças de repressão.
Sargento Mello não é um caso isolado na política brasileira. Nos últimos vinte anos, considerando apenas as eleições municipais, o número de candidatos militares que tentaram se eleger cresceu 20%, saltando de 5.585, em 2004, para 6.649 em 2024. As candidaturas desse segmento não se distribuem de maneira uniforme no espectro ideológico. Um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública sobre o comportamento de membros das forças de segurança nas redes sociais evidencia o alinhamento da maioria deles com a ultradireita.
O aumento expressivo de candidaturas de membros das forças repressivas do Estado veio na esteira de mudanças no ambiente político do país e do aumento da preocupação da população com o problema da criminalidade e da violência. O desgaste político sofrido pelo Partido dos Trabalhadores na última década, a Operação Lava-Jato e a incerteza presente no cenário econômico global, ajudaram a fomentar a insatisfação popular criando um ambiente propício para a ascensão de novos atores políticos. A subida de Jair Bolsonaro ao poder em 2018 consolidou a demanda por agendas punitivistas e militarizadas, fato que se refletiu nas eleições municipais de 2020 com o alinhamento intencional de diversos candidatos à estética e ao discurso bolsonarista.
Em 2020, Mello se reelegeu para o segundo mandato, também pelo PTB, com 2.783 votos, um aumento de mais de 20% em relação à candidatura anterior. Em seu material de campanha, torna-se mais evidente a associação com as forças repressivas. O emblemático alvo permanece em destaque no seu logotipo, e dois novos motes são inseridos: “Juiz de Fora levada a sério” e seu mais popular: “Segurança é o alvo”. Estas mudanças evidenciam os esforços do vereador para afirmar sua atuação na área da segurança, ainda que esta se restringisse, em grande parte, às homenagens e datas comemorativas.
No fim de seu primeiro mandato e início do segundo, Mello, juntamente com seus colegas parlamentares e a Prefeitura, dedicou-se ao enfrentamento da pandemia da COVID-19. O sargento se mostrou favorável à abertura consciente do comércio e buscou colocação para a categoria dos motoristas de transportes escolares, estes sem renda com o fechamento das escolas. Propôs leis declarando como essenciais as atividades como barbeiro, cabeleireiro e esteticista, além de defender a reabertura de academias e espaços de lazer e esporte. Seu posicionamento como vereador foi pragmático, porém, não sem polêmicas.
Ainda que Sargento Mello não tenha empregado a indumentária negacionista tão cara às forças conservadoras na época, sofreu duras críticas pela sua apatia perante a fala do então presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson. Durante a live realizada em março de 2021, Jefferson e Mello discutiam a atuação da Guarda Municipal de Juiz de Fora junto a comerciantes que descumpriam as medidas de isolamento decretadas pela prefeitura durante a pandemia. Em determinado momento, Jefferson incitou a violência contra membros da Guarda Municipal, afirmando que deveria se formar uma “milícia” com o objetivo de agredir fisicamente seus membros. O ocorrido gerou revolta e notas de repúdio partindo da sociedade civil e de várias instituições, inclusive da própria Guarda. Posteriormente, Mello se desculpou em nota por não ter adotado uma fala mais incisiva em defesa da instituição.
Mesmo após o recuo perante as falas do presidente do PTB, o segundo mandato de Mello foi marcado pelo crescente alinhamento com a ultradireita. Se afastando gradualmente das questões locais, o vereador começou a se valer dos elementos típicos da estética e do discurso da ultradireita e a direcionar suas propostas de leis a pautas conservadoras. Alguns destaques foram a lei 14.498/2022 que trata sobre as normas de aprendizagem da língua portuguesa no município, de acordo com “...as normas legais de ensino, estabelecidas com base nas orientações nacionais de Educação do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa e da gramática...” (Juiz de Fora, 2022). Na prática, trata-se de uma lei contrária ao uso da linguagem neutra, similar às apresentadas por vários outros vereadores da ultradireita no Brasil. O vereador também se dedicou a atacar os banheiros unissex e a chamada “ideologia de gênero”. Ele também se posiciona frequentemente contra falas de vereadoras do PT de Juiz de Fora, a administração de Margarida Salomão, e a partir de 2022, de Lula. Durante eventos no plenário e também em publicações nas próprias redes sociais, o vereador sustenta falas alarmistas sobre a “doutrinação de esquerda nas universidades”, além de ataques a movimentos artísticos e a outros políticos de esquerda.
Figura 1: Mudanças na estética de campanha do Sargento Mello de 2016 a 2024
O terceiro e atual mandato de Mello é resultado do capital político acumulado por ele ao longo dos anos. Após oito anos, o vereador abandona seu partido de origem, o PTB, filiando-se ao PL pelo qual concorre em 2024. A migração partidária trouxe consigo a mudança estética em sua candidatura. Nas redes sociais, onde se identifica como “Bacharel em Direito e PM da reserva, conservador, cristão e patriota”, o sargento compartilha as publicações disruptivas características de políticos do PL, sempre associadas às cores verde e amarelo e carregadas de mensagens simplistas e de potencial viral. Dentre os temas abordados, o cotidiano municipal, antes conteúdo predominante, passa a dividir espaço com temas de política nacional e internacional. Personalidades como Maduro, Trump e Elon Musk são uma constante em suas publicações. Vídeos em que acusa parlamentares do PT de defenderem “o assassinato de bebês” também parecem servir como fonte de engajamento de seu eleitorado. Muito semelhante a outras figuras da ultradireita, o vereador se utiliza de montagens virais e descontextualizadas nas redes sociais, de recortes sobre falas de seus opositores, e de conteúdo cômico e alarmista.
Os problemas recentes enfrentados pelo governo Lula III também fortaleceram o argumento de Mello contra a administração municipal e sua bancada na Câmara. Associando o desempenho de Lula ao da administração de Margarida Salomão no município, Mello questiona constantemente a ação das secretarias municipais apontando irregularidades nos gastos públicos. O fato é que desde o primeiro mandato de Margarida Salomão, o vereador buscou se afirmar como o único vereador a se empenhar de fato na oposição ao Executivo. Ele também se dedica a outros temas, para além das pautas ideológicas, atuando em defesa de certas categorias do funcionalismo público como professores e enfermeiros. Por meio de indicações, ele solicita aos órgãos da prefeitura providências relacionadas à zeladoria urbana, uma atividade comum aos vereadores de todas as inclinações ideológicas. Isso mostra que mesmo os vereadores com preferências mais intensas à direita precisam se dedicar a questões e problemas urgentes da cidade.
Dentre as proposições apresentadas por ele na atual legislatura, está o polêmico PL 163/2024 que propõe a instalação de câmeras de monitoramento nas salas de aula da rede pública municipal. Em entrevistas, o vereador afirma que a medida traria segurança para alunos e professores, porém, através de publicações nas próprias redes sociais, ele manifestou preocupação com a visita de membros do MST às salas de aula no município. De cunho semelhante ao PL 163 tem-se o PL 59/2025 que visa proibir “doutrinação política” em salas de aula do ensino público municipal. O projeto prevê a adoção de mecanismos que garantam uma conduta neutra dos professores, através de orientações prévias e que, se desrespeitadas, acarretarão em penas disciplinares, advertências, suspensão e multas. Através do PL 014/2025 o vereador propõe a notificação detalhada aos pais a respeito das atividades extracurriculares ofertadas nas escolas públicas e privadas. O projeto 005/2025 também foca no monitoramento dos conteúdos escolares, propondo a adequação de músicas executadas e interpretadas em escolas e instituições de ensino, respeitando a classificação etária dos participantes.
A educação tem sido uma importante área de atuação de políticos de ultradireita, incluindo vereadores em diferentes partes do Brasil. Suas propostas visam combater uma suposta ideologização do ensino e o que eles chamam de doutrinação marxista nas escolas. Na prática, porém, a exemplo das propostas do Movimento Escola Sem Partido, as propostas atacam a liberdade de cátedra e visam censurar os professores. Além disso, políticos da ultradireita se preocupam com a chamada ideologia de gênero, expressão cunhada por eles para designar o ensino de temas relacionados à educação sexual, diversidade, direitos das mulheres e de minorias sexuais. Muitas vezes de forma não explícita, proposições como as apresentadas pelo vereador Mello buscam aplicar às escolas mecanismos de vigilância muito semelhantes às propostas punitivistas adotadas no campo da segurança.
Bolsonaro, o PL e divisões internas
A entrada de Mello no Partido Liberal significou maior proximidade com a figura de Jair Bolsonaro, muitas vezes referido nas falas do sargento. A associação com o representante máximo da ultradireita brasileira dos últimos anos incrementou as estratégias de campanha de Mello, permitindo o alinhamento com outras figuras fortes do PL. A visita de Bolsonaro a Juiz de Fora em setembro de 2024, quando se completavam seis anos da facada, permitiu reforçar sua identidade com o partido e sua aproximação com lideranças influentes do bolsonarismo. Através de suas próprias redes sociais, Mello registrou a visita do ex-presidente à cidade, que foi dividida entre motociata, almoço com apoiadores (o sargento estava presente), e discurso no centro da cidade.
Atrás apenas de Roberta Lopes (PL), a candidata de Nikolas Ferreira em Juiz de Fora, e de Vitinho (PSB), Mello obteve o melhor resultado de sua carreira. A adoção de novas estratégias de discurso, bem como a migração partidária e sua consolidação como grande representante das forças de segurança podem estar entre os fatores que explicam seu sucesso eleitoral. Apesar disso, são incertas suas chances de alçar voos mais altos no PL. Em 2022, Mello tentou se eleger a deputado federal obtendo 17.162 votos. Em 2026, este plano pode colidir com outros interesses do PL para a região. Roberta Lopes e André Mariano, eleitos vereadores em 2024, também se mostraram candidatos fortes na cidade. Lopes conseguiu a marca de 7.924 votos em sua primeira eleição, convertendo-se em uma aposta sólida para os próximos pleitos. De postura combativa na Câmara e tendo como padrinho o deputado federal Nikolas Ferreira, a vereadora pode acabar atraindo parte do eleitorado conservador e identificado com a ultradireita que até agora optou por Mello.
Ao longo de seus três mandatos, Mello buscou se afirmar como representante máximo dos interesses das forças repressivas no município, embora tenha contribuído pouco para a área da segurança de forma mais substantiva. Ele fortaleceu o componente ideológico de seu mandato se aproximando da ultradireita e do bolsonarismo, em suas estratégias retóricas e proposições legislativas. Mas, ainda assim, precisa se dedicar a questões mais práticas e imediatas relacionadas às necessidades da população e dos bairros. O caso de Mello, à exemplo de outros analisados na pesquisa “Entre o nacional e o local: a radicalização da direita nos municípios brasileiros", mostra como os vereadores da ultradireita buscam equilibrar diferentes lealdades e interesses - partidários, pessoais, corporativos, ideológicos - no exercício do mandato.
Ian Alves Ferreira é cientista social, mestrando em Ciências Sociais pela UFJF e pesquisador do NEPOL.
O artigo é um dos resultados da pesquisa “Entre o nacional e o local: a radicalização da direita nos municípios brasileiros”, financiada pelo CNPq.
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